segunda-feira, setembro 01, 2008

OU A DEMOCRACIA REAGE OU AINDA ACABA NA CADEIA-Reinaldo Azevedo

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Gilmar Mendes, presidente do Supremo, e outras autoridades da República foram vítimas de grampo ilegal, como todos sabemos. Reportagem da VEJA desta semana conta a história em detalhes. A reação do Supremo Tribunal Federal, do Congresso e de entidades da sociedade civil ligadas à preservação dos direitos que caracterizam uma sociedade livre é que vai determinar o futuro da democracia brasileira. Sim, a questão tem esse alcance. Quando falo do futuro da democracia, não infiro que caminhamos para uma tirania explícita, de modelo chinês. O que está em curso é a corrosão dos valores democráticos patrocinada pelo próprio poder — e esse é o aspecto inegável, porém nem tão visível da questão.

Ainda que, indiretamente, o próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva tenha sido vítima da arapongagem — Gilberto Carvalho, um dos seus homens fortes, caiu na malha —, é inegável que, num dado momento da trajetória petista no poder, os aparelhos policiais foram mobilizados a serviço da política. Aconteceu com a Polícia Federal e suas operações espetaculosas, eivadas de ilegalidades, para provar que, no Brasil, “os ricos também choram”. Aconteceu com a Abin, especialmente depois que passou a ser comandada por uma das muitas facções da balcanizada PF. Delegados e agentes hoje atendem a comandos e vieses ideológicos que nem de longe estão relacionados com a sua função — pior do que isso, são incompatíveis com ela. O caso é que não se chegou a isso de súbito.

Ora, quem não se lembra do próprio presidente da República, faz pouco tempo, reagindo às críticas sobre os exageros da PF? Segundo ele, quem nada devia nada tinha a temer. Por esse critério, são hoje "devedores" Gilberto Carvalho, seu auxiliar, e os ministros José Múcio (Articulação Institucional) e Dilma Rousseff (Casa Civil). Seus subordinados, a começar de Tarso Genro (Justiça), trataram com desdém a questão. Segundo esse diligente senhor, o grampo é próprio da evolução tecnológica...

Ora, pergunte-se com clareza: um governo que mobiliza a máquina pública para fazer dossiês contra adversários é estranho a esse mundo da arapongagem? Não é. A natureza é a mesma. Vivem diferenças de circunstância e de propósitos. A fabricação de dossiês obedece a um comando centralizado e tem, vamos dizer assim, objetivos estratégicos. Já o submundo da arapongagem atende a interesses diversificados. Há vários "senhores da guerra" um tanto afastados do núcleo central de decisões do petismo e do governo, mas que conservam ainda grande poder na máquina pública. São um misto de pistoleiros com francos-atiradores. E todos eles têm seus "agentes" na Polícia Federal e na antigamente chamada "Comunidade de Informações".

A coisa saiu do controle, e hoje as pessoas são ilegalmente investigadas pelos mais diferentes motivos. Daqui a pouco, se é que já não existe, teremos agentes apurando casos de adultério para atender à solicitação de algum amigo infeliz... Era assim com a polícia secreta da antiga Alemanha Oriental. Mas é preciso que se recupere a origem desse procedimento. E, na origem, temos um partido e um governo que decidiram ser protagonistas dos negócios privados. Sim, isto mesmo: polícia e agentes da "Inteligência" foram mobilizados por facções do governo em guerra para "investigar" este ou aquele empresários, para fabricar dossiês, para fazer chantagem. Esta Polícia Federal e esta Abin, não se enganem, nasceram de uma agenda do petismo, sempre metido com este ou com aquele lados nas disputas privadas. E, sem dúvida, o banqueiro Daniel Dantas, com seus amigos e inimigos no governo, é o emblema dessa barafunda.

Como o que é ruim atrai ruindade, os arapongas soltos logo se ligaram a algumas franjas do Judiciário que decidiram fazer "justiça achada na rua", com o amparo de certa sub-imprensa venal. Que o Supremo e o Congresso saibam: uma investigação detida do aparato policial e parapolicial que está montado no país tem de estabelecer as devidas conexões entre essa escória e a outra, notoriamente porta-voz da ilegalidade e fingindo-se de jornalismo.

Ou o estado democrático e de direito reage, ou o próximo debate será feito na cadeia. E com os bandidos soltos.