A Rússia, que é o Estado de maior extensão territorial do planeta, possui imensas reservas de petróleo e gás natural, tem uma população de 142 milhões de habitantes, o 11º PIB com 1,3 trilhão de dólares e o maior arsenal mundial de armas nucleares. É óbvio que não se pode considerá-la como um país declinante ou débil, até por que sua economia cresce há alguns anos a taxas próximas de 8% ao ano.
Ora, foi precisamente o que fez o governo Bush ao estimular o presidente Mikheil Saakashvili a cometer a insensatez de atacar militarmente a Ossétia e a Abcásia, onde a população é majoritariamente russa e não deseja fazer parte da Geórgia. Por que digo isso? Desde o desastre do aprendiz de feiticeiro Gorbatchov — que teve a ilusão de renovar o comunismo quando ele já estava absolutamente falido — que os Estados Unidos procuram levar a Rússia a adotar os paradigmas ocidentais na política e na economia. Não o têm feito com compreensão respeitosa e paciência, mas com pressões e imposições ofendidas ante as resistências russas. Na euforia da vitória sobre a União Soviética , o presidente George Herbert Bush proclamou em 1991 o início de uma nova era de segurança e estabilidade internacionais sob a égide dos Estados Unidos. Nessa concepção, a Rússia desempenharia de início um papel semelhante ao Japão e à Alemanha no pós-guerra: países derrotados pelas armas que ficariam sob a tutela americana até serem gradualmente inseridos no veio central do Ocidente.
Assim fazendo, Washington perdeu a oportunidade histórica de estabelecer com a Rússia uma robusta cooperação estratégica. Como disse Henry Kissinger em recente artigo, “sucessivos governos americanos agiram como se a criação da democracia russa fosse uma tarefa principalmente americana...
Por isso, uma grande maioria dos russos considera os Estados Unidos presunçosos e determinados a minar a recuperação da Rússia”.
Ora, a Rússia precisa do Ocidente para obter mercados, investimentos, tecnologias e referências.
Se algum ensinamento lhe ficou do naufrágio soviético foi de que o isolamento tem como preço o empobrecimento e o atraso.
Mesmo que Putin e agora Medvedev estejam valendo sedo apoio popular maciço que desperta uma reação forte contra provocações externas, não creio que eles ignorem a verdade clara de que a Rússia não ganhará em fechar-se no seu perímetro. O Kremlin sabe que não pode recriar a Cortina de Ferro. Nesse sentido, a incorporação da Hungria, da República Tcheca, da Polônia, da Romênia, da Bulgária e das três repúblicas bálticas à União Européia foi um desenvolvimento muito positivo para estes países, mas a Rússia não considerou que houvesse nisso qualquer desafio ou ameaça.
Embora a secretária de Estado Condoleezza Rice seja Ph.D. em História e especialista em Rússia, o governo Bush vem tendo uma atuação temerária na questão da Geórgia. Estimulou o presidente Saakashvili a subir o tom de confrontação com Moscou, prometeu-lhe garantias que não podia honrar e, na hora do fiasco, limitou-se a mandar aviões com doações humanitárias. É óbvio que estando envolvidas em duas frentes difíceis no Afeganistão e no Iraque, as forças militares americanas não poderiam atuar contra os russos no Cáucaso. É também patente que um governo enfraquecido e terminal não poderia arriscar a eclosão de um enfrentamento com a Rússia em terreno tão desfavorável. Creio que esta é mais uma iniciativa, de muitas, que os ultraconservadores da Casa Branca articularam e que tanto têm contribuído para debilitar o poder e, sobretudo, a credibilidade americana.
Não há de ser com os procedimentos que conduziram a Geórgia ao recente desaire que os Estados Unidos vão estabelecer a democracia ou a independência dos países da esfera de influência russa. O motivo principal de Putin e Medvedev é preservar intacta a influência russa, é mostrar quem é a grande potência na região.
Por isso, quanto mais a Rússia for provocada, mais reagirá com força, como é sua tradição há três séculos.
Enfraquecido e terminal, governo Bush não pode ir ao confronto com a Rússia