segunda-feira, agosto 25, 2008

O paradoxo da flexibilidade José Márcio Camargo

É o maior grau de flexibilidade da economia que permite ao Fed ser menos conservador que o BC Europeu


As reações do Banco Central Europeu (BCE) e do banco central americano, o Federal Reserve (Fed), à crise que se abateu sobre o sistema financeiro mundial foram totalmente diferentes. Enquanto o Fed reagiu com cortes agressivos na taxa de juros, o BCE aumentou a taxa de juros na Zona do Euro. O que poderia justificar reações tão diferentes?

Desde o início da crise, em agosto de 2007, o Federal Reserve diminuiu a taxa de juros de 5,25% para 2,0% ao ano, ou seja, em 3,25 pontos percentuais. Ao mesmo tempo, a taxa de inflação continua em níveis relativamente elevados, tendo o índice de preços ao consumidor (CPI) apresentado variação de 5,7% e seu núcleo, que exclui os preços da energia e dos alimentos, aumentado 2,5%, nos 12 meses encerrados em julho de 2008, ambos bem acima do desejado pela autoridade monetária, entre 1% e 2% ao ano. Ou seja, o Fed reduziu a taxa de juros preventivamente, na tentativa de evitar uma profunda recessão, mesmo diante de uma inflação ainda acima do confortável.

Já o Banco Central Europeu decidiu inicialmente manter a taxa de juros na Zona do Euro constante quando a crise se iniciou em agosto de 2007 e, em julho de 2008, aumentou a taxa de juros em 0,25 ponto de porcentagem, apesar da forte desaceleração do crescimento da Europa no segundo trimestre de 2008. Aumentar a taxa de juros mesmo com desaceleração da economia certamente irá aprofundar a recessão, o que tem deixado muitos analistas perplexos. Como justificar tamanha diferença de comportamento entre os dois mais importantes bancos centrais do mundo? Qual dos dois está correto?

Na verdade, a diferença está no funcionamento das duas economias. A economia americana é mais flexível do que a economia européia, tanto no que se refere à maior abertura comercial quanto ao mercado de trabalho. Em especial, o mercado de trabalho dos Estados Unidos tem mostrado uma enorme flexibilidade, com o comportamento dos salários seguindo uma trajetória inversa à da taxa de desemprego, com pequenas defasagens no tempo. Aumentos relativamente pequenos na taxa de desemprego geram reduções significativas nos aumentos de salários, diminuindo as pressões inflacionárias. Ou seja, se a recessão efetivamente ocorrer, o crescimento do desemprego deverá reduzir os reajustes de salários e, portanto, a pressão inflacionária. Isto permite ao Fed se antecipar à recessão diminuindo os juros.

Já a economia européia é mais fechada e mais protegida que a americana e tem um mercado de trabalho muito mais regulamentado e rígido. Sindicatos mais poderosos e uma legislação trabalhista que aumenta o salário de reserva dos trabalhadores fazem com que um aumento do desemprego demore para ter efeito sobre a variação dos salários e, desta forma, dificultam a queda da inflação. Por ser uma economia relativamente fechada, os repasses de aumentos de custos aos preços dos produtos são facilitados.

Ou seja, o BCE não pode reduzir a taxa de juros antes que a queda do nível de atividade se torne clara e atinja o mercado de trabalho. Para que o BCE possa diminuir os juros sem o risco de aumentar a pressão sobre os preços, a taxa de desemprego tem que dar sinais claros de que irá aumentar. Antes disso, seria muito arriscado.

Em outras palavras, é o maior grau de flexibilidade do mercado que permite ao Fed ser menos conservador na política monetária que o Banco Central Europeu. E, com isto, se antecipar e diminuir os juros antes que a recessão se instale na economia. Ou seja, se o salário cresce pouco quando o desemprego aumenta, menor a taxa de desemprego necessária para manter a inflação sob controle. O paradoxo da flexibilidade.