sábado, agosto 30, 2008

O brasileiro adere em massa às motocicletas

Vida nova sobre duas rodas

Quem antes andava de ônibus e bicicleta (ou até de jegue)
descobre as motocicletas e faz com que o mercado desses
veículos cresça 20% ao ano no Brasil


Marcos Todeschini

Divulgação
Compactos e baratos Modelos como o da foto 
acima lado proliferam nas ruas: eles são pagos 
em prestações de menos de 100 reais por mês

Há uma novidade nas ruas brasileiras: a invasão de motocicletas, até há pouco restritas aos motoboys e a um grupo reduzido de pessoas que experimentava alguma espécie de diversão sobre duas rodas. Facilmente observável no trânsito, essa popularização das motos já pode ser quantificada. Um novo levantamento mostra que, até o início do ano passado, não havia no Brasil mais do que 5 milhões de veículos emplacados, número modesto na comparação com países de população parecida. Segundo o mesmo relatório, a frota brasileira deve chegar a 9 milhões até o fim de 2008 – quase o dobro. Mais surpreendente ainda é saber que, mantido o ritmo atual, em quatro anos as motocicletas serão mais vendidas do que os carros. É compreensível que dez empresas tenham surgido nos últimos meses para explorar o novo mercado. Caso da Dafra, que apareceu em janeiro e já é a quarta maior do país, atrás apenas das bem mais antigas Honda, Yamaha e Suzuki. Aberta em Manaus por um grupo proprietário de uma rede de 224 concessionárias espalhadas pelo Brasil, a fábrica não pára. "Funciona 24 horas por dia e ainda assim não damos conta da demanda", diz o presidente da empresa, Creso Franco.

Lailson Santos

As mulheres, enfim, descobrem as motosSem dinheiro para comprar um carro, a estudante paulista Camila Lima se rendeu à motocicleta e está "amando" a experiência: o público feminino já responde por uma de cada quatro unidades vendidas no Brasil


O faturamento da Dafra e das outras vem, sobretudo, de modelos menores e mais simples, usados agora por gente em busca de transporte – e não mais de diversão para o fim de semana. São essas motos as atuais campeãs em vendas no Brasil. Elas, que se equilibram em estruturas 10% mais leves e não têm mais do que 125 cilindradas de potência, já representam 60% do mercado. São, também, as mais baratas à venda. Custam entre 3 000 e 4 000 reais, um quarto do valor de uma moto de porte médio – e a tendência é baixar. Em meio a uma competição tão acirrada, as empresas investem em pesquisas e procuram saídas para conseguir cobrar menos e vender mais. As novatas têm pelo menos uma vantagem. Elas importam da China e da Índia as peças para a montagem das motos. Com a queda recente do dólar, certos componentes chegam a custar 30% menos do que no Brasil. Gigantes como Yamaha e Honda, no país desde a década de 70, não se beneficiaram disso. Sem ter apostado no câmbio favorável, já haviam firmado contratos de longo prazo com fabricantes brasileiras das mesmas peças. Para se manterem no páreo, cobram preços semelhantes aos dos concorrentes – e assim encolhem suas margens de lucro. Elas, que nos anos 90 concentravam 98% do mercado, caíram para 80%. Diz o japonês Kazuo Nozawa, há quatro anos diretor executivo da Honda no Brasil: "A concorrência é duríssima, mas não há como não investir nesse novo mercado de motos".

Por que, afinal, essas motos passaram a ser tão requisitadas num país onde praticamente inexistiam até bem pouco tempo atrás? Antes de tudo, porque houve um expressivo avanço na renda dos brasileiros nos últimos anos e muita gente se viu em condições de almejar, pela primeira vez, a compra de um veículo. Como ocorre nos países emergentes onde as pessoas também melhoraram de vida, são os brasileiros das classes C e D que mais dão fôlego ao mercado de motocicletas. Especialmente nas regiões Norte e Nordeste, nas quais a renda subiu três vezes mais do que a média brasileira. É o que explica o fato de 60% das cidades em que a frota de motos mais cresceu no ano passado se situarem longe do Sul e do Sudeste, segundo ranking da Federação Nacional da Distribuição de Veículos Automotores (veja o quadro).

Lailson Santos
Na briga para não perder mercado Kazuo Nozawa, diretor executivo da Honda no Brasil: a competição ficou acirrada, mas "é impossível não investir nesse mercado"

A explosão de motos se deu nas capitais e também no interior, onde, antes delas, cavalos e jegues davam cabo do transporte. Caso de certos bairros em Feira de Santana, na Bahia. Lá, o número de motocicletas subiu 64% – efervescência que se deve a gente como o universitário Ronaldo Rios, 22 anos. Ele, que recebe 1 000 reais por mês como recepcionista num hospital, acaba de comprar sua primeira moto. O estudante aproveita o momento de popularidade em alta: "As meninas fazem fila para dar uma voltinha." O baiano é um consumidor típico. Escolheu um dos modelos mais baratos da loja e fez financiamento. Vai quitar a dívida em dois anos, pagando parcelas de 150 reais por mês. O mercado de motocicletas está sendo impulsionado pela ampliação do crédito no país – e por certas facilidades concedidas especificamente a quem financia a compra de carros ou motos. Os juros, nesses casos, caíram à metade e o prazo para quitar a dívida esticou de dois para cinco anos.

Um nicho que também cresce é o das motos de luxo. Os modelos mais equipados e potentes ainda compõem uma fatia pequena das vendas no país. Representam apenas 2% de um mercado que já fatura 14 bilhões de reais. Mas o ritmo de crescimento nos dois segmentos – o das motos populares e o das motos de luxo – é semelhante: 20% ao ano. Entre aqueles compradores para os quais pouco importa o preço, a campeã em vendas no Brasil é a Desmosedici, produzida pela italiana Ducati. Preço: 180 000 reais. O mesmo de um carro Mercedes-Benz, e com potência semelhante à dele: com 200 cavalos, atinge 280 quilômetros por hora – o dobro das motos mais simples.

Marcio Lima
Do jegue à motocicleta O estudante Ronaldo Rios, de Feira de Santana, onde muita gente ainda usa charrete: "Com a moto, nunca fui tão popular"

Ao contrário de países como China e Índia, onde há quatro décadas as pessoas vêm trocando a velha bicicleta pelas motocas, no Brasil sempre houve em relação a elas algum preconceito. Pesquisas mostram que os brasileiros, até bem pouco tempo atrás, costumavam ver as motos como um meio de transporte típico de "baderneiros" e "encrenqueiros", tal qual retratados nos filmes de Hollywood das décadas de 50 e 60. Curiosamente, contribuiu para mudar o quadro o aparecimento de modelos mais compactos, a partir dos anos 90. Esses, sim, passaram a ser encarados como um meio de transporte como qualquer outro. Essas motos mais enxutas vêm atraindo também as mulheres – antes, nada receptivas à idéia de andar sobre duas rodas. Na última década, elas, que representavam apenas 10% do mercado, passaram a responder por 22%. A estudante paulista Camila Lima, 21 anos, é uma das adeptas. Durante três anos, ela juntou dinheiro para comprar a sua, da qual agora não desgruda. "No começo, os amigos e a família estranhavam. Hoje, me copiam."