O Globo |
1/8/2008 |
Tudo indica que a campanha eleitoral americana enveredou para uma fase mais agressiva a partir da entrada em cena da discussão de um tema tabu que estava implícito durante a fase anterior: a raça. A partir do momento em que a campanha de John McCain acusou Barack Obama de politizar o tema racial, foi como se a pressão contida de um debate delicado viesse à tona com toda sua força reprimida. Numa sociedade em que, como revelou uma recente pesquisa do "New York Times", mais de 80% dos eleitores negros e apenas cerca de 30% dos eleitores brancos disseram ter uma opinião favorável a respeito de Obama, e onde aproximadamente 60% dos negros entrevistados disseram que as relações raciais são geralmente ruins, em comparação a 34% dos brancos, este é um tema que continua explosivo, ainda mais diante da possibilidade de um candidato negro vir a ser eleito presidente. Enquanto 40% dos negros dizem que não houve progresso na eliminação da discriminação racial nos últimos anos, apenas menos 20% dos brancos afirmam o mesmo. O fato é que, ao repetir como acusação, em Springfield, no Estado de Missouri, uma brincadeira que fizera na abertura de seu histórico discurso de Berlim, o candidato democrata Barack Obama abriu uma discussão racial que tomou conta da campanha. Obama afirmou que os republicanos fariam uma campanha de medo contra ele, acusando-o, por exemplo, de ser diferente dos demais presidentes americanos anteriores. Foi a mesma coisa que disse, em tom de pilhéria, para os mais de 200 mil alemães que foram ouvi-lo em Berlim. Foi o sinal para que a campanha de McCain o acusasse de estar usando o tema racial para se fazer de vítima. A reação, porém, não foi unânime a favor do republicano. Também houve quem acusasse a campanha de McCain de ter se utilizado sutilmente do tema ao comparar Obama com duas celebridades louras, a cantora Britney Spears e a socialite Paris Hilton. A propaganda em que os democratas tratam Obama como uma celebridade sem condições de governar o país, por si só, já representava um polêmico aprofundamento da campanha de desconstrução de imagem do adversário. O toque racista levantado pelos dois lados adicionou um grau perigoso de acusações de racismo. O "New York Times", em um editorial divulgado na tarde de ontem mesmo pela internet, critica duramente McCain e faz duas acusações: a de que ele estaria utilizando a mesma tática que republicanos usaram na eleição de 2006 contra Harold Ford, um candidato negro ao Senado do Tennessee, comparado também com jovens brancas. A outra suspeita lançada pelo "Times" se refere a uma expressão usada por um assessor de McCain para criticar Obama. Segundo esse assessor, a campanha democrata usou o tema racial "from the bottom of the desk", que significa uma trapaça em um jogo de cartas. A mesma expressão, segundo o "Times", foi utilizada pelo advogado do jogador negro O.J. Simpson para dizer que usara o tema racial para defender seu cliente, que acabou sendo absolvido da acusação de ter matado sua mulher, embora todas as evidências fossem contra ele. A campanha de McCain está tentando combater a liderança de Obama nas pesquisas com acusações de que ele não tem experiência nem capacidade de governar os Estados Unidos, e também tentando criar uma imagem de presunçoso, que já estaria convencido de que será eleito em novembro. Essa peja está tendo alguma receptividade, e já começam a aparecer programas humorísticos na televisão fazendo piada dessa suposta soberba de Barack Obama. Em seu programa, David Letterman, por exemplo, deu um decálogo de fatos que demonstrariam a auto-suficiência de Obama, que já estaria até mandando medir sua cabeça para uma escultura no Monte Rushmore, o memorial em Dakota do Sul que tem a cabeça dos presidentes Lincoln, George Washington, Thomas Jefferson e Theodore Roosevelt. Obama continua à frente em todas as pesquisas, mas é bom relembrar que, no início de junho, uma pesquisa da "Newsweek" lhe dava 15 pontos de vantagem, que vem caindo em todas as pesquisas de lá para cá. Ontem, havia um consenso entre todos os institutos de que a viagem ao exterior produzira um efeito favorável a Obama que se desvaneceu com a mesma rapidez com que foi registrado. Uma pesquisa divulgada ontem pelo Rasmussen Reports aponta que cerca de 30% dos eleitores democratas conservadores e cerca de 19% dos eleitores democratas brancos planejam votar em McCain. O mês de agosto trará também para Obama um problema adicional. Uma editora de direita, a Regnery Publishing, publicará o amplamente divulgado livro "Um caso contra Barack Obama, a improvável ascensão e a não-examinada agenda do candidato favorito da mídia". Com vendas antecipadas sendo feitas pela Amazon na internet, o livro é de David Freddoso, um jornalista de direita da "National Review". O livro acusa Obama de ter sido fabricado pela mídia e analisa suas relações com o pastor radical Jeremiah Wright, de quem Obama se afastou no meio da campanha, e com um líder radical da década de 60 do século passado, Bill Ayers, que é vizinho de Obama. Tudo indica que a campanha eleitoral americana entrará em uma fase de agressividade que pode ter conseqüências imprevisíveis pelas características únicas desta eleição, em que, pela primeira vez na história do país, um candidato negro é favorito. Mas essa é uma tradição da política americana, da qual tratarei amanhã. |