O Estado de S. Paulo |
26/8/2008 |
Nessa altura não interessa mais de quem é a culpa: se do governador José Serra, ao planejar a eleição de prefeito sem um candidato com a marca do partido, mas ao molde do roteiro de sua campanha presidencial, ou se do antecessor, Geraldo Alckmin, ao atropelar o projeto e se impor ao PSDB como candidato do partido à Prefeitura de São Paulo. Importa apenas o fato: de posse das duas máquinas, estadual e municipal, das melhores alianças partidárias (incluindo a captura do PMDB da área de influência do PT) e de uma adversária com alto grau de rejeição e baixa densidade político-eleitoral em sua coalizão, o PSDB constrói uma derrota. Mas não uma derrota qualquer, daquelas normais, cujas conseqüências nefastas têm prazo de validade e volta por cima no cenário do amanhã. Dessas, o presidente Luiz Inácio da Silva só em eleições presidenciais sofreu três. O governador José Serra outras tantas e a então prefeita Marta Suplicy uma especialmente impactante: em 2004 perdeu a reeleição para Serra que dois anos antes fora derrotado por Lula, que não conseguiu convencer o paulistano a dar o bis a Marta, que foi ao fundo, emergiu e hoje é líder absoluta nas pesquisas. A derrota em construção não se limita ao resultado eleitoral. Este pode até virar, não se sabe. Ninguém está livre de um milagre, nem Geraldo Alckmin nem Gilberto Kassab. Ou de um imprevisto, nem Marta Suplicy. O estrago bordado com esmero em São Paulo - com a participação de artesãos de fora - é de natureza política. Isso ocorre quando o fracasso independe do resultado. A situação já se desenhava assim desde o começo, quando Marta patinava na largada, Kassab reunia uma vistosa aliança e Alckmin exibia patrimônio eleitoral suficiente para inibir qualquer movimento mais brusco do grupo do governador Serra para matar sua candidatura na marra. Com a mudança de ventos e o registro da queda de Alckmin em duas pesquisas consecutivas, o quadro deu uma piorada considerável. Candidato oficial do PSDB, o ex-governador desceu do altar do bom-mocismo e partiu para o ataque direto à atual administração de São Paulo. No programa eleitoral diz que sobra dinheiro e falta competência. Aponta carências de toda sorte: de vagas nas creches, nas escolas, de transporte púbico decente, de moradias, de hospitais, de médicos, de iluminação nas ruas, enfim, a cidade mostrada por Geraldo Alckmin é um horror em matéria de desmazelo e abandono. Com isso, não ataca Kassab, um ex-deputado do DEM, vice deixado na cadeira por Serra para representá-lo na prefeitura toda montada à base de tucanos. Desde que assumiu a vaga, o substituto não deu um passo nem um pio em desacordo com a concepção de Serra, política e administrativamente falando. Quando diz ao eleitor de 2008 que a Prefeitura de São Paulo é mal gerida, está informando ao eleitorado de 2010 no Brasil todo que o principal candidato de seu partido à Presidência da República é um mau gestor. Um caminho que nem o PT nacional, adversário oficial na sucessão de Lula, havia ousado trilhar. É difícil, embora seja possível, acreditar que a campanha de Geraldo Alckmin não tenha pensado em todas as conseqüências - entre elas a perda do papel da vítima - e atue nessa direção apenas por aflição eleitoral. Seja qual for o fator, não altera o produto: um candidato a prefeito que se apresenta à disputa para afirmar a marca do partido e depois tenta se credenciar subtraindo credenciais do candidato a presidente do próprio partido. Algo nunca visto nem no PT das memoráveis guerras de extermínio interno. À beira Quando a senadora Marina Silva deixou o Ministério do Meio Ambiente, optou pelos símbolos para transmitir sua insatisfação. Não se deu a maiores comentários nem sobre a versão da “assessoria” do Palácio do Planalto de que o presidente Lula teria interpretado o pedido de demissão como um ato deliberado para deixar o governo mal diante dos ambientalistas nacionais e internacionais. Devagar, a senadora passa dos gestos às palavras. Ainda as escolhe como quem pisa sobre ovos, mas caminha obviamente na direção de uma abordagem menos sutil da questão. Ontem, em seu artigo semanal na Folha de S. Paulo, Marina Silva aponta “sinais preocupantes” de que o governo patrocina retrocessos na política ambiental - contrariando compromisso assumido pelo presidente em maio - e acrescenta: “Para a sociedade será difícil aceitar mudanças na contramão do que foi dito há três meses”. Súmula Em matéria de reforma política, a professora Sandra Cavalcanti, signatária da Constituinte de 1988, disse o necessário numa frase de seu artigo de ontem no Estado: “O voto poderia ser facultativo e as promessas obrigatórias”. O resto é enfeite. |