sexta-feira, agosto 01, 2008

Clóvis Rossi - De solidários a reféns




Folha de S. Paulo
1/8/2008

Faltam explicações para a guinada da diplomacia brasileira na noite em que o chanceler Celso Amorim aceitou o pacote apresentado por Pascal Lamy, diretor-geral da Organização Mundial do Comércio.
Mudou ao menos a linguagem. A Marcelo Ninio, desta Folha, Amorim disse, em entrevista ontem publicada, que o Brasil não queria ficar refém da Argentina. OK, mas é preciso lembrar que:
1 - O Brasil sempre foi refém da Argentina (como a Argentina do Brasil), desde que os dois, mais Paraguai e Uruguai, decidiram transformar o Mercosul em união aduaneira, embora imperfeita. União aduaneira pressupõe que todos os seus integrantes apliquem a mesma tarifa à importações provenientes de não-membros. Logo, todos os membros de uma união aduaneira são, por definição, reféns uns dos outros
2 - Acontece que a diplomacia brasileira jamais usou a expressão "reféns" para designar a relação com a Argentina. Usava, até a semana passada, termo completamente oposto: solidariedade.
Uma e mil vezes o próprio presidente Lula defendeu a tese de que o Brasil, por ser mais rico, tinha que ser solidário com os sócios mais pobres. E a Argentina, gostem os argentinos ou não, tornou-se mais pobre que o Brasil.
O que mudou? Era a oferta Lamy tão espetacular que justificasse a mudança? Pode ser, mas não é o que acha, por exemplo, Paulo Nogueira Batista Jr., funcionário internacional nomeado pelo governo Lula: "Os nossos mercados industriais e de serviços, nos quais temos interesses defensivos, poderiam ficar excessivamente expostos à competição estrangeira. Na agricultura, em que os nossos interesses são ofensivos, as concessões feitas por europeus e americanos seriam provavelmente modestas".
Falta, pois, explicar como ser solidário virou ser refém.