O Estado de S. Paulo |
1/8/2008 |
As repetições produzem certo efeito sobre a capacidade de convencimento das pessoas. Mantras, ladainhas e fórmulas tão repisadas de oração às vezes servem mais para reforçar a fé dos crentes do que para avisar os seres superiores de que contam com fiéis seguidores. Numa outra direção, Voltaire recomendava repetições para que o impacto desejado acontecesse: “Menti, menti que alguma coisa há de ficar.” A Ata do Copom ontem divulgada é notavelmente repetitiva. Em nada menos que nove trechos de 67 parágrafos avisa que um consumo substancialmente mais alto do que a capacidade de oferta da economia é o principal fator da atual inflação. É tão repetitiva que levanta dúvidas sobre a função da repetição: se é convencer os agentes econômicos sobre a natureza da inflação ou se é convencer os próprios dirigentes do Banco Central de que fizeram a coisa certa, na dose certa. Em todo o caso, a ênfase no diagnóstico da inflação de demanda (consumo maior que a oferta) esconde a necessidade de refutar as manifestações do Ministério da Fazenda de que a disparada da inflação tem mais a ver com a alta dos alimentos, determinada nas bolsas internacionais de mercadorias, do que com excesso de consumo. Esta não é uma divergência apenas teórica; possui graves implicações práticas. A mais importante tem a ver com a trajetória dos juros. Se a inflação é produzida lá fora, não haveria juros que virassem o jogo aqui e o aperto monetário seria inútil. Ao repisar que a principal causa é o consumo exacerbado, o Copom avisa que o corretivo é a retranca dos juros. Como das outras vezes, o Banco Central não vai fundo quando se trata de ir às causas dessa inflação. Admite um tanto vagamente que é conseqüência do forte crescimento do crédito, da renda e das “transferências governamentais”, sem arriscar nenhuma ponderação entre esses fatores. Não põe ênfase em que as coisas são assim porque o governo Lula está transferindo recursos demais para o mercado e que - como a ressaca depois do pileque - essas transferências se transformam em salário e em consumo. Assim, a questão fiscal é tomada como dado do quadro geral, que não exige reforço de respostas também de natureza fiscal com as quais consertar os estragos. De um lado, ficou clara tanto a estratégia da política como o sentido da expressão “ação tempestiva”, repisada pelo presidente do Banco Central, Henrique Meirelles. Trata-se de trazer de volta para o centro da meta (4,5% ao ano), ainda em 2009, a inflação que se desgarra para além da altura da trave (6,5%). Mas não ficou explicado por que foi necessária a superdose de 0,75 ponto porcentual ou por que meio ponto não teria sido suficiente. De outro, ficaram em aberto tanto a intensidade como a duração do aperto necessário para o sucesso da política. Parece provável que o Banco Central espere para ver o efeito da aplicação da forte dose de antibióticos monetários antes de acenar com os próximos passos. Mas, como já foi avançado aqui, o critério decisivo parece ser eleitoral. Tanto a intensidade como a duração do aperto serão o que forem necessários para trazer a inflação ao centro da meta a tempo suficiente para evitar que o governo seja cobrado por tê-la deixado desandar. Confira Ambivalência - O PIB dos Estados Unidos cresceu 1,9% ao ano no segundo trimestre. Foi alguma coisa menos do que o esperado (2,3%), mas esse resultado ficou bem distante da profunda recessão prenunciada há meses por tantos analistas. Esse avanço só foi possível porque em maio o governo americano devolveu US$ 167 bilhões ao contribuinte para garantir mais consumo. Vai ficar por aí - Parece improvável que a recessão americana se aprofunde. Vai ser essa água morna que, em compensação, vai durar mais tempo. Em outras palavras, a recuperação será mais lenta. |