SÃO PAULO - A efeméride era apetitosa demais para ser desperdiçada por Barack Obama. No verão setentrional de 1948, começava o Bloqueio de Berlim Ocidental. Os soviéticos acordaram invocados e decidiram interromper todo acesso terrestre à ilha capitalista instalada no coração da Alemanha socialista.
Os militares dos EUA, em reação, lideraram um esforço logístico gigantesco para garantir, por via aérea, o abastecimento de centenas de milhares de berlinenses ocidentais.
Diante das agruras da operação, uma multidão se reuniu no Tiergarten, a imensa área verde da cidade, para ouvir o prefeito clamar por ajuda: "Povo do mundo, cumpra o seu dever; olhe para Berlim".
Sessenta anos depois, no mesmo Tiergarten, lá estava uma outra multidão, reunida em torno de um outro político, que lembrava o passado e entoava o mesmo bordão: "Povo do mundo, olhe para Berlim". O candidato democrata à Presidência dos EUA produziu, assim, mais um de seus espetáculos.
A fala de Berlim não fugiu ao padrão de Obama. Cheia de lugares-comuns e maneirismos, foi concebida para encantar, e não para firmar compromissos. Citar as perfurações de bala da 2ª Guerra ainda vistas em prédios da capital alemã é clichê de turista apressado.
O discurso talvez entre para a história como um marco na ascensão da imagem de Obama como comandante-em-chefe. Os americanos, dizem as pesquisas domésticas, desconfiam da sua capacidade para liderar a política externa e de defesa.
Talvez, contudo, a passagem por Berlim entre para uma história menor, a crônica dos derrotados. A aclamação de Obama fora dos EUA ajuda seu adversário, o republicano John McCain, a compor uma imagem perigosa para o democrata: a de um homem cosmopolita demais para defender o interesse dos EUA.
O veneno foi mortal para Al Gore, em 2000, e John Kerry, o "afrancesado", quatro anos depois.
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