quarta-feira, julho 30, 2008

''A estratégia comercial brasileira fracassou junto com Doha''

O ESTADO DE S PAULO Entrevista - Rubens Barbosa:

ex-embaixador do Brasil em Washington; para o diplomata País deve manter, daqui para frente, postura de independência em relação ao Mercosul

Marcelo Rehder


Para o ex-embaixador brasileiro em Washington Rubens Barbosa, o Brasil precisa rever sua estratégia comercial, que "fracassou junto com a Rodada Doha". Segundo ele, o País cometeu um grande equívoco ao apostar todas as fichas na rodada multilateral, abandonando negociações de acordos regionais e bilaterais. "Desde o início deste governo, não tivemos nenhum acordo substancial", observa.

Qual será a conseqüência prática do fracasso da Rodada Doha para o Brasil?

A conseqüência é que nós vamos continuar sem nenhum acordo comercial significativo. Desde o começo deste governo, não tivemos nenhum acordo substancial, seja multilateral, regional ou bilateral. O único acordo importante seria esse, que não fechamos.

O governo errou ao apostar no multilateralismo?

O governo brasileiro cometeu um grande equívoco, ao colocar todas as suas fichas na rodada multilateral, abandonando o aprofundamento dos acordos regionais no âmbito da Aladi (Associação Latino-Americana de Integração ) e deixando de lado negociações importantes com a União Européia ou não fazendo nenhuma tentativa de acordo significativo com países da Ásia, por exemplo.Também poderia ter buscado algum tipo de entendimento com os Estados Unidos na área de facilitação de comércio, já que não podemos ter um acordo com eles.

Como a vida continua, o que devemos fazer agora?

O setor privado brasileiro deveria estar muito atento para isso e pedir que haja um reexame da estratégia comercial brasileira, que fracassou junto com a Rodada. Nós temos de rever essa estratégia, inclusive em relação ao Mercosul. A posição do Brasil nesses últimos dias foi um rompimento com o G-20 e com o Mercosul. A Argentina tinha claramente uma outra posição e nós fomos em frente, abandonando a unidade do Mercosul e a unidade do G-20. Pessoalmente, acho que foi uma boa decisão.

Por que essa mudança de posição foi boa?

Como disse o (ministro das Relações Exteriores) Celso Amorim, agora eles reconhecem que essa mudança de posição atendeu ao interesse nacional. E era isso que nós estávamos pedindo há muito tempo. Se levarmos isso do ponto de vista lógico, podemos concluir que a posição anterior não atendia ao interesse nacional. É uma confissão de erro dele mesmo.

O fracasso foi um desastre?

Eu acho que não é um desastre. É uma coisa chata, volta o protecionismo e tal, mas, se analisarmos, nos últimos seis anos em que não houve nenhum acordo comercial, o comércio brasileiro duplicou. O dinamismo da economia brasileira, do exportador brasileiro, vai continuar.

É melhor o fracasso que um acordo ruim?

Se esse acordo incluísse retrocessos, era melhor não ter acordo. Se ficássemos em posição inferior ao que existia na Rodada Uruguai, seria um claro retrocesso. Depois do que aconteceu lá, dentro do reexame da estratégia de negociações comerciais, o Brasil tem de rever a sua posição em relação a certas cláusulas do Mercosul. Há uma resolução, que o Celso Amorim quebrou, estabelecendo que os países do Mercosul têm de negociar com uma única voz. Essa resolução tem de ser flexibilizada e isso será bom para o Brasil. Se o País não fizer essa revisão, não vamos fechar nenhum acordo comercial, porque sempre ou o Paraguai ou o Uruguai ou a Argentina vão ter posições diferentes do Brasil.