quarta-feira, julho 30, 2008

Augusto Nunes - Coisas da Política



Augusto Nunes
Jornal do Brasil
30/7/2008

O Brasil que esquecia a cada 15 anos o que acontecera nos 15 anos anteriores é coisa de antigamente. Como tudo vai ficando mais rápido, menos o trânsito, o intervalo entre uma e outra lobotomia coletiva foi dramaticamente reduzido. A imprensa faz o que pode para retardar o engavetamento, ou torná-lo menos abrangente, mas poucas lembranças conseguem hospedar-se na memória nacional por um tempo superior ao das estações do ano. O país agora esquece a cada três meses o que aconteceu nos três meses anteriores.

Brasileiro sempre teve memória fraca, mas até um Paulo Maluf, que sabe de cor os nomes dos integrantes da família real saudita, dificilmente conseguirá lembrar por muito tempo os acontecimentos do sanatório geral brasileiro. É muita discurseira diversionista. É muito barulho por nada. É um escândalo atrás do outro. É muita bandidagem na classe executiva. Não há memória que agüente.

Neste começo de inverno, por exemplo, o concubinato dos deputados e traficantes do Rio disputa espaço no noticiário com a quadrilha de doutores e excelências chefiada por Daniel Dantas, que pousou nas manchetes outro dia. Pois quando a primavera vier outros vilões terão transformado em lembranças remotas os parlamentares homicidas, os ditadores das favelas, até o primeiro escroque internacional fabricado aqui.

Além de curta, a memória nacional é tão acanhada que só cabe um escândalo por vez. Foi por isso que durou meia dúzia de fotos na primeira página a passagem do ex-banqueiro Salvatore Cacciola pelo noticiário dominado por Dantas e seus comparsas. O repertório de escândalos descoberto pela Operação Satiagraha arquivou o escândalo da máfia dos fiscais, que arquivou o escândalo do casal Garotinho, que arquivou o escândalo da VarigLog, que arquivou o escândalo da Providência, que arquivou o escândalo do dossiê contra FH, que arquivou o escandaloso prontuário do deputado Álvaro Lins.

Se as espantosas bandidagens do outono vão sendo esquecidas, é compreensível que pareçam ter acontecido nos tempos do Descobrimento as ocorrências do último verão. Não se sabe ao certo se a Floresta Amazônica ficou menor ou maior. Nem se houve algum desmatamento ilegal. Muito menos que fim levou a tremenda força-tarefa forjada para deter o avanço das madeireiras clandestinas.

Tudo isso ficará muito mais antigo quando forem iluminados os porões em que vai tomando forma, sob o olhar bovino da nação, uma ilegalidade bilionária: a absorção da BrT pela Oi. O Brasil que esquece o escândalo que acabou de acontecer começa a esquecer previamente o escândalo que ainda nem aconteceu.

Não há um só dia a perder

O Rio deste fim de década é Medellín no fim do século. Depois do que já se viu em poucos dias de campanha eleitoral, tornou-se irrelevante registrar que lá havia o Pablo Escobar que aqui não há. Virou conversa fiada ressalvar que aqui não existe o bando criminoso comparável ao que foi, em seu apogeu, o maior dos cartéis do narcotráfico. Somados, os pablos escobares que hoje governam quase 800 favelas são muito mais perigosos que o mítico chefão colombiano morto nos anos 90. Em conjunto, os microcartéis que controlam os morros mobilizam um exército fora-da-lei maior e mais letal que o similar de Medellín.

O governo municipal já nada pode fazer: é só mais um espectador perplexo do painel de horrores. Assim acabará também o governo estadual se insistir no combate solitário e improvisado, e portanto sem chances, ao inimigo que não pára de agigantar-se – e agora mais brutal que nunca. A vítima seguinte, e a derradeira, será o governo federal. A menos que deixe de bancar o abúlico esperto. A menos que pare de justificar a injustificável neutralidade entre a lei e o crime com anacronismos jurídicos que imploram pela imediata aposentadoria.

O Rio está para o Brasil como Medellín esteve para a Colômbia, e vencer a guerra declarada pelos ditadores dos morros é uma urgência nacional. Já não se pode esperar um só dia para o desencadeamento de uma ampla e articulada ofensiva dos governos federal e estadual. Os braços do Estado brasileiro nunca existiram nas favelas. Mas só chegarão lá se antes forem reconquistados os territórios perdidos.