O Globo |
31/7/2008 |
O desfecho dramático de Genebra foi crônica de um impasse anunciado. Vejamos o quadro em 2008 e examinemos as razões do fracasso. A questão da agricultura foi, sem dúvida, a primeira causa do fracasso da Rodada Doha. Mesmo que hoje a parcela da força de trabalho que se encontra nas zonas rurais não exceda 3% em todo o Primeiro Mundo, o poder de fogo do lobby agrícola é assombroso seja em Washington, Bruxelas, Paris, Berlim, Tóquio ou Berna. Os Estados Unidos estão com o Congresso mais protecionista dos últimos 60 anos. Na Europa, o presidente Sarkozi superou até o rei do protecionismo agrícola - seu antecessor Chirac -, ameaçando abertamente tirar o tapete do comissário Mandelson, que representava a União Européia na OMC. Não creio que houvesse chances mínimas de aprovação nos parlamentos nacionais - onde os interesses setoriais estão entrincheirados - de reduções sensíveis no protecionismo agrícola. Em segundo lugar, os países mais ricos já obtiveram no passado tudo que realmente desejavam: reduções tarifárias enormes entre si, disciplinas no comércio de serviços, na proteção da propriedade intelectual e um mínimo de normas sobre investimentos. Adicionalmente, haviam obtido resultados muito importantes nos compromissos assumidos quando da adesão de diversos países à OMC, em especial a China. A China considera hoje que já fez todas as concessões ao seu alcance político e econômico e não tinha portanto maior interesse numa rodada como a atual, até porque seu comércio exportador é florescente e dinâmico com as regras atuais. Em quarto lugar, tanto a Índia como a China estão longe de ter modernizado globalmente seus setores agrícolas e, portanto, consideram política e economicamente explosivo um deslocamento de suas já paupérrimas populações rurais pela competição com produtos oriundos de agriculturas eficientes e modernas. Seus líderes receiam tanto que a população agrícola se insurja contra uma abertura dos mercados que não hesitaram em bloquear o processo em Genebra. Eis aí quatro macrocircunstâncias políticas que inviabilizaram o acordo. Elas são as mesmas, com alguns ajustes, que desde 1996 impedem o êxito de uma negociação que começou sendo chamada de Rodada do Milênio e evoluiu para o nome atual de Doha. Assim, embora o Brasil tenha desempenhado um papel relevante, maior ainda do que no passado, não tinha peso suficiente para superar as grandes inércias acima apontadas. Mesmo a suposta segurança resultante da unidade do Grupo dos 20 (que acabou fragmentado) revelou-se uma decepção. Malgrado tudo isso, os formuladores de nossa política comercial colocaram todas as fichas no êxito da Rodada Doha. O resultado final foi que nosso país ficou de mãos vazias. |