O GLOBO
O ilegal nós fazemos logo. O inconstitucional leva um pouco mais de tempo". (Henry Kissinger, ex-diplomata americano)
O cardápio nacional de transgressões está para lá de variado. Que tal o retorno de um imposto revogado há pouco pelo Congresso? É o que o governo tenta, batizando a antiga CPMF com outro nome.
Que tal a libertação de um deputado preso por chefiar quadrilha que vendia proteção a criminosos? Foi o que garantiu a Assembléia Legislativa do Rio.
O governo pode propor uma nova CPMF, sim — embora seu gesto soe como uma afronta à decisão tomada pelo Congresso em dezembro último de enterrar a CPMF original, e embora Lula tenha dito à época que jamais bancaria a criação de imposto semelhante. Mas o governo deveria pelo menos se sentir dispensado de encenar a farsa de que nada tem a ver com a iniciativa dos seus líderes no Congresso.
Inventou-se a CPMF para sustentar os gastos com Saúde. O dinheiro arrecadado acabou pagando despesas de outras áreas.
Com o mesmo fim, inventase agora a Contribuição Social para a Saúde.
Se o governo se recusa a assumir publicamente a paternidade do novo imposto, por que deputados e senadores que o apóiam deveriam fazê-lo? E logo em ano eleitoral? Com a internet e o celular disponíveis para disseminar a lista dos que votaram a favor? Está maluco, ô cara! Inclua-se fora dessa! Aproxime-se para lá! De impostos estamos fartos.
O governo só faz aumentar seus gastos. A Receita bate sucessivos recordes de arrecadação. A carga tributária do Brasil é uma das maiores do mundo.
E continua medíocre a qualidade dos serviços oferecidos pelo Estado.
A Assembléia Legislativa do Rio poderia, sim, ter mandado soltar o deputado Álvaro Lins (PMDB), ex-chefe de polícia durante o governo Garotinho, detido sob a acusação de comandar quadrilha armada que acobertava criminosos e extorquia dinheiro de delegados.
A decisão está amparada pela Constituição. Ocorre que a Assembléia não estava obrigada a adotá-la. Teria sido preferível deixar o caso por conta da Justiça.
Mas o que esperar de uma Assembléia onde 33 dos 70 deputados foram denunciados por crimes de estelionato, improbidade, formação de quadrilha e até homicídio? É uma assembléia de gente suspeita.
Por 419 votos contra oito e três abstenções, a Câmara dos Deputados aprovou na semana passada Proposta de Emenda à Constituição que aumenta de 51.748 para 59.302 o número de vereadores.
Há quase três anos, por 10 votos contra um, o Supremo Tribunal Federal havia reduzido o número de vereadores em 8.528. As Câmaras Municipais são ineficientes, não valem o que custam e funcionam como porta de entrada para o mundo do crime. Quer um único exemplo? O Ministério Público pediu o afastamento e o seqüestro de bens dos 17 vereadores de Campos, acusados de desviar cerca de R$ 15 milhões somente em 2007.
Diz antiga lenda que um jornal do sertão de Pernambuco publicou editorial ao cabo da 2aGuerra Mundial onde lembrava que advertira Hitler com antecedência sobre a derrota iminente do nazismo. Lamentava por não ter sido ouvido. Neste espaço, no dia 11 de fevereiro passado, escrevi que a CPI do Cartão Corporativo seria uma "CPI de mentirinha".
Lamento que tenha sido.
Não investigou eventuais gastos irregulares do governo. E ignorou o dossiê montado na Casa Civil sobre despesas sigilosas do governo passado. Na próxima quinta-feira, finalmente se dissolverá deixando um rastro de falta de vergonha.
Sob pressão de um grupo de governadores do Norte, o novo ministro do Meio Ambiente, Carlos ("Jovens Tardes de Domingo") Minc, assinou portaria concedendo crédito de R$ 1 bilhão a produtores rurais de 100 municípios que desmataram muito além do permitido pela lei. De fato, quem assim procedeu ganhou dinheiro com a venda de madeira e merecia ser processado — mas não: terá direito a empréstimo barato para reparar o mal que fez. Lula não dispensa apoios para governar. É a real politic, meu caro — algo que serve para justificar qualquer tipo de transgressão.