O Globo |
24/6/2008 |
Com a boa notícia de que houve uma redução da desigualdade na distribuição de renda no país nos últimos anos, explicada principalmente, segundo o estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), pelos reajustes do salário mínimo acima da inflação e programas de transferência de renda, é preciso discutir a sustentabilidade e a eficácia desse processo a longo prazo. Dois trabalhos, um recente, dos economistas José Roberto Afonso, do BNDES, e Carlos Mussi, do Cepal, sobre como conciliar o estado de bem-estar social com desenvolvimento econômico, e outro, publicado no ano passado, do economista do BNDES Fábio Giambiagi, sobre o esgotamento do salário mínimo como instrumento de redução da pobreza extrema, apontam os problemas do atual modelo e sugerem alternativas. O artigo de Afonso e Mussi está na tradicional revista da esquerda latina, a "Nueva Sociedad", publicada em Buenos Aires por uma fundação alemã, e tem foco especial na questão fiscal, explorando a necessidade de retomar a agenda de reformas, abandonada, critica Afonso, "diante dos ventos a favor da economia". Os dois economistas defendem, contra a maioria da esquerda, que a reforma dos tributos e a dos gastos é uma agenda progressista, reformas que tenham por objetivo "arrecadar melhor e gastar melhor". Segundo José Roberto Afonso, "fica cada vez mais evidente que o presidente Lula não tem interesse em tocar a reforma tributária". Ele cita a proposta da nova CSS, "que contraria frontalmente o princípio básico de uma reforma tributária progressista, que deveria ser melhorar a progressividade do sistema". Os economistas consideram prioritário "revisar os sistemas tributários, que na América Latina estão baseados principalmente nos impostos sobre o consumo, e aumentar a arrecadação de impostos diretos, como sobre a renda, de modo a alcançar efeitos mais progressivos". Diante dos desafios para conciliar o financiamento responsável com o gasto social crescente, a questão fiscal "tende a se tornar o principal ponto de interconexão entre as práticas e as políticas econômicas e sociais", dizem os autores. Eles ressaltam no estudo que o "welfare state" europeu é financiado por uma estrutura tributária muito diferente da aplicada no continente: "não apenas que arrecada mais, porém, que o faz de forma progressiva, com mais impostos sobre renda, contribuições e patrimônios e menos impostos sobre vendas; ou seja, exatamente ao inverso da realidade latina e brasileira". Ao mesmo tempo, "somente com maior eficiência na alocação desses recursos será possível compatibilizar o desenvolvimento econômico com o bem-estar social". Em uma estratégia progressista, segundo os autores, "a produção e o emprego são apoiadas por ações públicas deliberadas; na excelência da regulação estatal (em substituição ao antigo Estado interventor direto da economia); e nas políticas sociais que privilegiam o universalismo, inclusive ousando para dar à parcela mais pobre da população um tratamento mais abrangente do que a mera assistência social". Nesse modelo, as políticas sociais não devem ser tratadas de modo isolado da política econômica. "Não basta criar e expandir programas de transferências de renda, é preciso também universalizar educação e saúde e gerar novos empregos para fortalecer a coesão social". Afonso e Mussi chamam a atenção para o fato de que "não basta apenas expandir o gasto social", pois é possível que comecem a se esgotar "os efeitos redistributivos decorrentes do aumento da cobertura da Previdência Social e dos programas de transferência de renda". O economista Fábio Giambiagi, do BNDES, escreveu em meados do ano passado, quando ainda estava no Ipea, um estudo, com Samuel Franco, intitulado "O esgotamento do papel do salário mínimo como mecanismo de combate à pobreza extrema", no qual argumentam que a política de aumentos do salário mínimo foi perdendo eficácia ao longo do tempo, à medida que ia aumentando seu valor real. Entre 1994 e 2007, teve um aumento real acumulado de mais de 100%. "Com isso, seu valor avançou na escala de rendimentos, estimando-se que em 2007 tenha alcançado 41% do rendimento médio". Mesmo em 2005, antes dos aumentos reais observados em 2006 e 2007, o salário mínimo representava, segundo o estudo de Giambiagi e Franco, "um valor correspondente a mais de duas vezes o rendimento médio dos 20% mais pobres e quase 20% superior ao rendimento médio dos 50% mais pobres em nível nacional e, no Nordeste, seu valor era inclusive maior do que o rendimento da média dos 90% mais pobres". No caso das aposentadorias, há estudos que mostram que mais de três quartos daqueles que recebem valor equivalente ao salário mínimo estão localizados entre o quarto e o oitavo décimo da distribuição de renda. No caso das pensões, 85% estão entre o quarto e o nono décimo da distribuição. Tanto nas famílias mais pobres como nas mais ricas é relativamente raro encontrar pessoas recebendo pensões e aposentadorias iguais ao salário mínimo. "Portanto, a maior parte das pessoas que recebem o salário mínimo (no trabalho, em pensões ou aposentadorias) não podem ser consideradas pobres pelo padrão brasileiro", ressalta o estudo. Em função disso, o estudo dos economistas sugere "congelar o valor real do salário mínimo na próxima década e concentrar os recursos públicos (...) em políticas mais bem focalizadas e com maior retorno social". Os economistas acreditam que "os efeitos benéficos procurados com essa política tenderam a se esgotar com o tempo. Se o país quer atacar de forma eficiente o problema da extrema pobreza, a elevação do piso previdenciário e do salário mínimo não é o instrumento mais eficaz", dizem eles, pois seu aumento "implica onerar pesadamente as contas do INSS e do Tesouro, com efeitos sociais muito modestos". |