segunda-feira, junho 23, 2008

Folha ENTREVISTA/FERNANDO HENRIQUE CARDOSO

Melhores quadros vão para o mercado, não para a política

Ex-presidente diz não ver nenhuma razão para uma CPI sobre o caso Alstom em SP

Tucano afirma não agüentar ler parte política dos jornais porque "tudo são fatos banais ou policiais, não vai me acrescentar nada"

ROBERTO DIAS
EDITOR-ASSISTENTE DE BRASIL

Fundador do PSDB, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso preferia que a aliança entre tucanos e democratas em São Paulo não fosse desfeita. Mas diz entender as razões de Geraldo Alckmin e não ver dificuldade em montar um discurso de campanha para concorrer na disputa contra Gilberto Kassab. "Vai dizer: o que já foi feito de mudança, vou fazer mais", diz FHC, 77 anos completados na semana passada.

FOLHA - O que o PSDB cumpriu do que se propôs a fazer na fundação e o que não conseguiu?
FERNANDO HENRIQUE CARDOSO
- O programa daquela época era um programa no qual estávamos tateando o que veio a ser a globalização, a necessidade de o Brasil se inserir no mundo, aquilo que o Mario [Covas] chamou de "choque de capitalismo". Avançamos bastante nisso. Não fomos só nós, mas o impulso inicial de quebra de uma tradição nós demos. E na reforma do Estado. Não está completa, mas, se alguém reformou esse Estado patrimonialista que nós temos, foi o PSDB. E iniciamos, bem ou mal, uma coisa que hoje é atribuída ao PT: os programas sociais. Uma parte da programação nós cumprimos. O que faltou? Falta muita coisa, porque hoje existe uma tal desconexão entre a vida política e o cotidiano das pessoas que é difícil fazer aquilo que era nosso sonho, um partido que tivesse uma inserção mais sólida na sociedade.

FOLHA - Como alcançar isso?
FHC
- Não é uma questão só do Brasil. É global, sociológica, a sociedade de massa e o avanço das forças de mercado se deram de tal maneira que o papel que os partidos exerciam no passado como polarizadores e condutores, eles perderam muito, não só no Brasil. Isso não quer dizer que a sociedade não tenha avançado bastante nos seus próprios pés, de uma maneira que -visto aos olhos do que pensávamos há 30 anos- é sem política, sem partido político.
Será que é um mal? Acho que o mal é quando você não tem partidos políticos capazes de propiciar pelo menos um quadro geral de referência. Os partidos não incorporaram o tema do cotidiano. Os temas da vida do cidadão hoje cortam transversalmente a sociedade, não é de uma classe só. Todas sofrem com insegurança, poluição, com tráfego ruim. É o governo, qualquer governo, mas qual é a posição, como a sociedade é tocada por esse problema?

FOLHA - Tem algum partido caminhando nesse sentido?
FHC
- Não acho. Acho que a discussão é muito...Vou dizer uma coisa que talvez seja quase impensável para mim mesmo há muito tempo: eu não agüento mais ler a parte política dos jornais. Tudo são fatos banais ou fatos policiais.

FOLHA - O sr. tem lido o quê?
FHC
- Leio todos, mas eu salto, começo a ler e pulo. Porque não vai me acrescentar nada. Quero entender mais os quadros. A parte econômica é mais interessante, a de discussão educacional, a de meio ambiente.

FOLHA - O governo da social-democracia brasileira acabou ficando tachado como um governo de direita. Esse rótulo incomoda o sr.?
FHC
- Isso aí é o rótulo dado pelo PT. O povo não pensa isso, não tem nem direita e esquerda, porque as categorias também ficaram vazias. O que não quer dizer que, conceitualmente, não existam uma direita e uma esquerda. E o PSDB, conceitualmente, não está à direita. O que significa estar à direita? Basicamente são os conservadores que não querem mudar e que não têm o sentido de igualdade, justiça. Acho que o PT é mais conservador que o PSDB. Porque muda menos o modo de fazer política. Voltou atrás, aliás. Deu mais força para as práticas tradicionais -não que elas tivessem acabado ou que o PSDB não tivesse incorrido nelas, mas tentava diminuir.

FOLHA - O programa atual do PSDB diz: "Nenhum partido vive dos feitos passados, vive do que realiza no presente e da visão de futuro que oferece". O PSDB controla hoje cinco Estados. O que o partido pode dizer que realiza no presente?
FHC
- No caso de São Paulo e de Minas, que são os que eu conheço melhor, acho que o impulso dado na educação é muito grande. Também na segurança, no caso de SP, é bastante notório que houve uma queda imensa na taxa de homicídio. Por outro lado, são partidos que, ao fazer isso, não se esquecem de, como há condições agora, investimentos grandes. O que está sendo feito em São Paulo em investimento no sistema de transporte é enorme.

FOLHA - Tirando esses dois casos de presidenciáveis, os três outros governadores enfrentam problemas bem graves: a crise no governo Yeda (RS), a denúncia da Procuradoria contra Teotonio Vilela Filho (AL) e a ameaça de cassação a Cássio Cunha Lima (PB). O PSDB tem dificuldade em encontrar novos quadros?
FHC
- Todos os partidos têm tido essa dificuldade, que diz respeito ao que mencionei antes: a desconexão com a vida da sociedade. Os melhores quadros da sociedade vão para o mercado. Até para a área cultural. Não vão para a política. Essa dificuldade existe, é indiscutível.

FOLHA - Era assim quando o sr. entrou na política?
FHC
- Não. Entrei na política partidária em função de uma luta contra o regime autoritário. Aquilo era um fator mobilizador. Os quadros da sociedade se jogaram na política. Depois houve a desconexão.

FOLHA - Nos últimos dias, enquanto o comando nacional do PSDB divulgava uma nota reduzindo a crise no governo Yeda a uma conspiração política, em SP a bancada tucana na Assembléia barrava investigação no caso Alstom. O partido não se enfraquece ao agir assim?
FHC
- Não barrava investigação nenhuma. Não houve nada que pudesse dar razão para fazer uma CPI sobre o caso Alstom. O caso Alstom é a divulgação, na Europa, de que essa empresa teria dado alguma propina a alguns políticos. E pára por aí. Ninguém tem informação concreta. O resto é especulação. Você não pode fazer uma CPI na base da especulação. Não tem um elemento. Não sei se é o caso de CPI. O próprio governo deve ser o primeiro a se manifestar contra e punir.

FOLHA - E o governo Yeda?
FHC
- Eu não acompanhei o caso da Yeda. O que eu vi foi o vice-governador tendo gravado uma conversa com alguém do governo Yeda que dizia que empresas estatais haviam financiado. Não se referia ao PSDB nem ao governo dela. Ela demitiu todo mundo. Então é uma atitude diferente.

FOLHA - O programa de criação do PSDB justificava assim a decisão de vocês, fundadores do partido: "O PMDB, ao qual cabia a maior parcela de responsabilidade pelos rumos da transição, sucumbiu lamentavelmente. Receoso de enfrentar suas divergências internas, deixou de tomar posição ou mesmo debater as políticas do governo a que deveria dar sustentação". Isso não lembra muito a situação atual do PSDB no município de São Paulo?
FHC
- É, eu acho que o caso do município de São Paulo é um teste para o PSDB. Vamos ver o que vai acontecer na convenção. Achava que estrategicamente deveríamos manter uma aliança. Mas isso dependia de que os líderes do partido aceitassem essa idéia. Pelo jeito, a preferência não foi essa. Ao não ser essa, acho que o partido tem que ter um comportamento partidário. Eu terei -ficar com o que for decidido na convenção. É difícil que a convenção decida contra ter um candidato próprio. Acho que o Alckmin tem direito de querer ser candidato. Entendo as razões dele. O partido não tem por que dizer: "Você não pode ser candidato". Não querem que seja? Então vamos para a convenção.

FOLHA - O sr. costuma bater muito na importância de ter clareza no que defende. Como o partido vai poder fazer campanha na cidade de São Paulo concorrendo contra um governo do qual faz parte?
FHC
- Aí não tem dificuldade não. A oposição tem que ser feita ao PT. Seria suicídio ficar lutando Geraldo contra Kassab, Kassab contra Geraldo. Os dois têm que lutar contra o PT.

FOLHA - Mas o sr. mesmo menciona a importância do discurso da mudança numa campanha. Alckmin não vai poder ter esse discurso.
FHC
- Vai dizer: o que já foi feito de mudança vou fazer mais.

FOLHA - Uma linha de análise é que, se vitorioso, Alckmin fortaleceria a candidatura de Aécio ao Planalto. Isso faz sentido para o sr.?
FHC
- Não foi o que ele disse a mim. Não sei nem se vai haver disputa entre Serra e Aécio. Se for definido que o candidato é o Serra, o Geraldo vai se alinhar nessa candidatura. Se for o Aécio, todos vamos nos alinhar. Ou faz isso ou não tem partido.

FOLHA - Qual o futuro da polarização PT-PSDB? Ela tem força para se enraizar de maneira semelhante à de republicanos e democratas nos EUA ou a comparação é inválida?
FHC
- Não é infundada, porque a diferença entre democratas e republicanos nos assuntos principais é pequena. Mas é difícil, porque acho que PT e PSDB não esgotam as possibilidades do espectro político brasileiro. Pescam às vezes aliados no que se chama aqui de direita, que são os fisiológicos, e às vezes pescam no que eram os extremistas. O PT pesca nas duas alas, no clientelismo de direita, conservador, e no extremismo revolucionário. O PSDB pesca mais próximo ao centro, nos dois lados. Mas isso não completa um ciclo político. Tem espaço para um partido no sentido do DEM se consolidar, que é um partido de centro-direita, com visão moderna da economia, sem ser reacionário. Não acho que haja espaço no Brasil para um partido de direita.

FOLHA - Sobre essa "pescaria", Ciro Gomes disse numa entrevista recente que tanto o sr. quanto Lula se acomodaram com o patrimonialismo.
FHC
- Não me acomodei com patrimonialismo nenhum. Tentei diminuí-lo. E fiz. Criar mecanismos de Estado que fossem mais profissionais. Você não acaba com o clientelismo por um ato de vontade. Eu não sei se o Lula fez isso com tanto empenho. Agora, quem entende de patrimonialismo é o Ciro, no Ceará, com o irmão dele.

FOLHA - Desde Covas e Almir Gabriel, em 1989, o PSDB não tem uma chapa puro-sangue à Presidência. Chegou a hora de voltar a ter?
FHC
- Eu gostaria.

FOLHA - Aécio tem falado sobre esse candidato "pós-Lula". Como se definiria o espaço desse candidato?
FHC
- Acho uma boa definição. Significa que você não tem que continuar a debater o que está fora de debate. A política macroeconômica está dada, a política social está dada, essas questões foram sendo assimiladas pela sociedade, parte feita pelo meu governo, parte pelo governo do Lula. E daí? Como é que vamos para frente?

FOLHA - A carga tributária aumentou no seu governo e ainda mais no de Lula. Ficou menos distante do nível de Suécia e Noruega, referências da social-democracia européia. Nesse aspecto, o caminho seria esse?
FHC
- A carga tributária lá é muito alta. A diferença é outra: lá a qualidade dos serviços prestados é muito boa. Eu acho que uma social-democracia implica uma carga tributária elevada. A nossa passou dos limites. Você pode dizer que nós aumentamos. É verdade. Por quê? Porque acabamos com o maior imposto que beneficiava o governo, a inflação. Tivemos que enxugar dívida dos Estados, o que nos obrigava a ter uma carga maior. Agora acho que passou do limite. A melhoria da prestação de serviços não aumenta na proporção do aumento da carga. Estamos num momento em que é coerente ser social-democrata e dizer: pára.