Não é possível que alguém mais não seja responsabilizado pelo absurdo. Há quatro anos um homem entrega à Justiça um laudo atestando ser portador de esquizofrenia, depois move dois processos contra o Estado pedindo reparação por danos na compra de um veículo intermediada por um despachante do Detran, comete duas agressões, envolvese em 20 processos, é aposentado em 2004 por problemas psiquiátricos e durante todo esse tempo ninguém consegue evitar o previsível: ele não é interditado e, mais inacreditável ainda, nenhuma medida cautelar é tomada para impedir que continue a dirigir irresponsavelmente pela cidade. O esperado aconteceu. Itamar Campos Paiva, o homem que devia estar vigiado e em tratamento, furou um sinal em alta velocidade, foi repreendido por um pai que tentava atravessar a rua com seus dois filhos adolescentes, desceu furioso e, com uma barra de ferro, provocou o afundamento do crânio do indefeso pedestre.
Sua prisão foi decretada e, depois da tragédia quase anunciada, o presidente do Detran, Antônio Francisco Neto, determinou um “levantamento rigoroso” para saber se o motorista infrator tinha condições psicológicas de dirigir. Por que só agora? E o laudo, o que foi feito dele? Se as providências fossem tomadas a tempo, possivelmente teriam evitado o sofrimento de André Luiz Reuter Lima, a vítima, que (no momento em que escrevo) se encontra em estado grave no Hospital Pasteur, no Méier, em coma induzido. Sem falar no trauma dos meninos de 13 e 14 anos, que viram o pai ser barbaramente espancado.
O diretor do Departamento de Trânsito informou ainda que em 2003, quando Itamar completou 40 anos, sua carteira de habilitação pôde ser renovada depois que ele foi submetido a um novo exame físico, mas que nem sempre o órgão pode cassar o documento de quem tem problemas de saúde. Para que então serve esse exame que não consegue perceber um distúrbio psicológico tão grave quanto uma “esquizofrenia paranóide e transtorno delirante induzido”, que, além do comportamento violento, muitas vezes leva o paciente a não distinguir o real do imaginário? Afinal, para que serve o Detran, se não dispõe de mecanismos e instrumentos de fiscalização e controle capazes de evitar uma história terrível como essa?
Nas declarações e discursos que se seguiram à morte do senador Jefferson Péres, seus correligionários e até adversários ressaltaram a sua exemplar conduta moral como algo extraordinário. Se por um lado foi uma merecida homenagem, por outro pareceu significar que a ética, em vez de ser a obrigação cívica de todo homem público, é na política de hoje uma qualidade rara, quase em extinção. Foi como se, com o grande senador, tivesse ido embora também uma valiosa e enorme porção da virtude que ele encarnou como se fosse uma exclusividade.