sexta-feira, maio 02, 2008

Novo status, velhos desafios


EDITORIAL
O Estado de S. Paulo
2/5/2008

O Brasil ganhou o cobiçado grau de investimento por ter feito mudanças suficientes, na área econômica, para permitir um crescimento sustentável de 4% a 4,5% ao ano, segundo a agência de classificação de risco Standard & Poor’s. É a premiação de políticas adotadas nos anos 90 e mantidas, sensatamente, pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, mesmo contra pressões de vários de seus companheiros mais próximos. Ninguém pode negar-lhe esse mérito. Mas, para crescer mais que aqueles 4% a 4,5%, o País precisará, segundo a agência, de investimentos acima dos atuais 17,9% do PIB.

Será também necessário reduzir o custo Brasil, simplificar os impostos, tornar mais flexível o mercado de mão-de-obra, baixar tarifas de importação e facilitar o investimento privado em energia e em outras áreas da infra-estrutura. Será preciso, ainda, deixar mais espaço no mercado financeiro para o setor privado. Para isso o governo terá de baixar seu endividamento, seu gasto corrente e a tributação necessária para sustentá-lo. Esses comentários aparecem no final do texto divulgado pela Standard & Poor’s, na quarta-feira, para explicar a reavaliação do Brasil.

Esses detalhes passaram despercebidos, aparentemente, quando governo e mercado se entregaram às comemorações da promoção. O presidente Lula talvez nem os conhecesse, quando anunciou a boa nova no 7º Fórum dos Governadores do Nordeste, em Maceió. “Com essa nova classificação”, disse, “não resta mais dúvida de que agora o Brasil é um país sério.”

O advérbio de tempo fica por sua conta. O primeiro dado positivo enumerado pela agência, para justificar a promoção do País é “a continuidade da política (econômica) ao longo de transições políticas, sob um regime de metas de inflação e de câmbio flutuante”. Esse regime foi instituído em 1999, depois do abandono do sistema de banda cambial.

O informe acrescenta dois outros fatores favoráveis ao crédito brasileiro: dívida externa líquida inferior a 10% do total de receitas da conta corrente do balanço de pagamentos (a projeção para este ano é de 3%) e uma dívida oficial com perfil cada vez mais parecido com o de outros países na faixa inicial do grau de investimento. Esses dois pontos foram conquistados gradualmente e devem-se, em grande parte, a decisões corretas tomadas pelo presidente Lula ao chegar ao poder.

Uma das decisões - nunca anunciada oficialmente - foi o compromisso de respeitar a autonomia operacional do BC. Essa autonomia, rejeitada por muitos políticos do PT, jamais foi consagrada em lei. Mas o presidente manteve a promessa e garantiu ao Comitê de Política Monetária (Copom) a liberdade para elevar os juros e apertar o crédito quando julgasse necessário. Pode-se discutir se as decisões foram todas oportunas, mas o resultado prometido pelo BC foi sempre entregue. Com a inflação contida, foi mais fácil aumentar o poder de compra dos trabalhadores.

Outra resolução importante foi a de atribuir a Antonio Palocci, seu primeiro ministro da Fazenda, poder suficiente para manter as contas públicas em condições administráveis. Isso não impediu o crescimento dos gastos de custeio, nem a elevação da carga tributária, mas o resultado teria sido muito pior se Palocci não tivesse podido resistir a boa parte das pressões de seus colegas de governo. A política tornou-se menos firme depois de Palocci, mas o padrão foi parcialmente mantido.

A terceira decisão relevante foi a de evitar - também contra os aliados - o retorno às velhas mágicas do intervencionismo.

Mas a Standard & Poor’s também menciona importantes pontos fracos: 1) dívida líquida pública ainda elevada e pesados encargos de juros; 2) rigidez orçamentária e gasto corrente muito alto; 3) obstáculos estruturais que mantêm o investimento e a expansão econômica abaixo dos níveis alcançados por outras economias emergentes.

É justo festejar a promoção e as novas possibilidades abertas ao Brasil no mercado internacional de capitais. Mas o presidente Lula não deveria esquecer aqueles problemas. De sua solução depende o futuro do País, muito mais que da obtenção do grau de investimento. Decisões corajosas serão indispensáveis. Os problemas criados pelas novas pressões inflacionárias e pela deterioração das contas externas tornam mais que oportuna uma redefinição dos gastos públicos e de seu financiamento.