sábado, maio 24, 2008

A mão estendida de FHC- Ruy Fabiano


blog do Noblat 24/5

Em recente entrevista (dia 18 passado) ao blog do ex-secretário de Imprensa de Lula, Ricardo Kotscho, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso fez significativo desabafo, direcionado ao presidente Lula, que resume o paradoxo em que está mergulhada a política brasileira.

Disse ele: "O Brasil está indo para um outro patamar e a política está indo para o buraco. Não dá para a gente pensar grande? Não dá para haver um debate sobre temas importantes - o que vamos fazer com essa riqueza petrolífera que está aí, por exemplo? Eu estou disposto a entrar nesse debate, esse seria um grande debate nacional, sim. Nós estamos apequenando a política."

O ex-presidente referia-se ao tema dominante no Congresso naquele instante (e mesmo agora), a CPI dos Cartões Corporativos, centrada na discussão em torno de um dossiê que reúne dados parciais relativos a gastos de representação da Presidência da República, ao seu tempo, com o objetivo de expô-lo moralmente.

O dossiê, como se sabe, tornou-se eixo dos debates parlamentares, amplamente repercutido na mídia. Produzi-lo teria sido ou não um crime? Ou o crime consistiria apenas em vazá-lo? Manipular seu conteúdo, reunindo gastos sem contextualizá-los, fere a ética? Essas e outras questões ainda estão em debate.

Sabe-se que foi produzido na Casa Civil na seqüência imediata de denúncias relativas ao mau uso dos cartões corporativos por funcionários do governo Lula.

A ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Roussef, quando as denúncias vieram à tona, em vez de esclarecê-las, avisou que haveria reação. Idem os ministros da Justiça e do Planejamento, Tarso Genro e Paulo Bernardo, respectivamente, o que evidencia o envolvimento do governo na elaboração e vazamento do dossiê.

Em plena fase de ganhos da economia e de novos desafios postos ao país e ao mundo – o debate em torno dos biocombustíveis, a crise dos alimentos, a questão amazônica, entre outras -, Congresso e mídia gastam tempo, verbo e espaço discutindo o dossiê, quem gastou mais dinheiro público indevidamente.

Não há dúvida de que é indispensável permanente e rigorosa vigilância em relação ao dinheiro público. Não pode, no entanto, esse tema monopolizar as atenções e impedir que os homens públicos mais importantes do país – lideranças que estão exatamente no PT e no PSDB - dialoguem e reflitam a respeito de causas de profundo interesse para o país.

FHC diz que se decepcionou com isso, já que, na eleição em que passou o bastão a Lula, manteve-se distanciado do embate e facilitou o quanto pôde a transição. O ritual de transmissão da faixa presidencial foi dos mais cordiais, o que sugeria convívio amistoso e cooperativo entre ambos, companheiros de diversas jornadas em prol da redemocratização. Mas deu-se o contrário.

A palavra está novamente com FHC:

"Quando nós fizemos a transição, eu imaginei que, a partir de 2003, nós teríamos um diálogo maduro. Ao invés de ter um diálogo maduro, o Zé Dirceu inventou a herança maldita da qual eles vivem até hoje - não da maldita, da boa. E o Lula nunca fez um gesto de diálogo, nunca. Definiram, a meu ver equivocadamente, o PSDB como adversário principal. Foram buscar apoio no que havia de mais podre na política brasileira, e deu no mensalão. E isso não é responsabilidade do PSDB, é do PT. Nós fizemos um caminho que não era de afastamento."

O ex-presidente diz que PT e PSDB são os partidos mais orgânicos e consistentes, em melhores condições de tirar o país do atraso. Mas, em função de disputarem o poder em São Paulo, não se unem e, inversamente, aliam-se ao que há de mais atrasado na política brasileira para derrubarem um ao outro. E conseguem.

O resultado aí está: uma agenda política complexa, a exigir a união de mentes sofisticadas, submetida a gente medíocre e, em grande parte, desonesta. FHC lamenta: "A economia vai bem, a área social está avançando, mas falta isso. Falta um cimento, falta uma política que dê coesão ao País." Coesão e credibilidade.

O desabafo foi claramente direcionado ao presidente Lula, podendo ser visto com um gesto, ainda que queixoso, de mão estendida. O fato de ter sido feito a um ex-colaborador de Lula, o repórter Ricardo Kotscho, reforça essa impressão. Nem Lula, nem nenhum de seus porta-vozes, no entanto, se manifestou.

Uma pena.