Quem ler o livro “O Brasil globalizado” (Editora Campus), coletânea de textos organizada pelos economistas Fabio Giambiagi e Octavio de Barros que está sendo lançado, terá uma visão tão ampla quanto possível das nossas perspectivas como país “num mundo surpreendente”, e provavelmente, ao terminar, terá a sensação de que os avanços que conseguimos nos últimos 15 anos têm que ser potencializados para que o país consolide seu desenvolvimento em mais um par de décadas. A idéia de que, aos trancos e barrancos, o Brasil vem mantendo uma continuidade básica nas suas políticas governamentais que permitiu esses avanços perpassa todo o livro, e é demonstrada pela proeza dos coordenadores de terem juntado no mesmo trabalho o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e o atual presidente do BNDES, Luciano Coutinho, com prefácio do presidente do Banco Central, Henrique Meirelles.
Estudiosos de diferentes correntes tratam, por diversos ângulos, da inclusão do Brasil no mundo globalizado, e de assuntos tão distintos quanto a experiência de dez anos de câmbio flutuante, produtividades, a internacionalização da economia brasileira, sobre o que Octavio de Barros chama de “mito da desindustrialização”.
Mas o livro tem como tema central a abertura da economia brasileira, considerada ainda uma das mais fechadas do mundo. Não é à toa, portanto, que Giambiagi e Octavio de Barros dão ao artigo de apresentação o subtítulo “O desafio de transformar a bonança externa em investimento para o futuro”.
Eles partem da premissa de que, muito além de melhorias meramente incrementais que o país teve nestes últimos 15 anos, decorrentes de avanços institucionais e democráticos e, no campo econômico, do que chamam de “prêmio de loteria” que o país ganhou com a crescente valorização no mercado internacional das commodities, estaremos desperdiçando a grande chance de dar um salto de qualidade no nosso desenvolvimento, se não fizermos reformas ousadas que preparem o país para o futuro.
Sendo o país com a maior diversidade de commodities, entre metálicas e agrícolas, à frente de Austrália e dos EUA, o Brasil se beneficiou do surto econômico dos países emergentes, que já representam 44% do PIB mundial, liderados pela China. O ciclo atual será duradouro, na opinião dos coordenadores do livro, devido ao processo de urbanização da China, incorporando centenas de milhões de pessoas ao mercado de consumo de massas.
O aumento de renda decorrente dessa valorização, que segundo os autores continuará ainda por muitos anos, permitiu avanços significativos na economia, como a solução para a dívida externa, e a melhoria na distribuição de renda.
Mas, quando o “mundo sinocêntrico” já não tiver esse papel de sustentação da economia mundial, o Brasil precisará estar preparado para ser um exportador de manufaturados, e não apenas de commodities.
As reformas exigidas visariam a diminuir os custos que reduzem a competitividade das empresas brasileiras.
O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, recentemente escolhido pela revista americana “Foreign Policy” como um dos cem intelectuais públicos mais influentes do mundo, preparou artigo para o livro em que deixou de lado as estocadas políticas para exercer integralmente a função de sociólogo com visão global. Assumindo a tese do mundo “não-polarizado”, Fernando Henrique ressalta que, com o fim da bipolaridade em que a Guerra Fria contrapôs dois poderes hegemônicos, os EUA e a ex-União Soviética, um mundo diferente está sendo desenhado, encerrado o breve período de uma efetiva hegemonia americana.
Hoje, EUA, China e União Européia são pólos disputando influência e poder no contexto de uma ordem econômica globalizada. O fato de os EUA, com sua cultura favorável à inovação e à mudança, continuarem com o papel principal neste novo mundo não implica, ressalta Fernando Henrique, “a existência de uma ordem política harmônica, submissa ou isenta de competições”.
O ex-presidente vê “nas brechas da grande cena” a possibilidade de intervenção dos novos parceiros do jogo político internacional. Os “swing states”, na definição de Parag Khanna, têm espaços a ocupar na fluidez da conjuntura política mundial, e Fernando Henrique acha que o Brasil soube aproveitar essas brechas, “lutando em Doha pelo direito de quebrar patentes em certas circunstâncias, ou questionando o protecionismo, ora europeu, ora americano, bem como, em Cancun, quando pôs obstáculos a acordos globais que nos poderiam ser lesivos”.
Para Fernando Henrique, a globalização “despertou-nos da quietude de preservação de nossos interesses pelo relativo alheamento do mundo”.
Cita seu chanceler Celso Lafer para dizer que, de agora em diante, pelo contrário, “ou adotamos uma postura de ‘realismo crítico’, e nos damos conta de que o externo e o interno estão mais do que nunca entrelaçados e, portanto, devemos atuar crescentemente na cena mundial de poder, ou não corresponderemos ao que a História nos dá como oportunidade”.
Para ele, os desafios que a nova fase da globalização coloca “podem ser enfrentados, desde que os estadistas e os policy-makers avaliem corretamente a situação do mundo e tenham uma visão realista sobre as possibilidades do país”.
Chamando a atenção para o fato de que nossos concorrentes mais diretos, os monster countries, estão se desenvolvendo “com uma velocidade de decisão e implementação nunca vista”, Fernando Henrique encerra com otimismo: “Não há tempo a perder, mas há tempo.
Se agirmos com competência, uma nova e boa surpresa pode ocorrer: a de deixar para trás as tormentas do subdesenvolvimento no decorrer das duas próximas décadas”.