A política econômica do governo Lula, baseada no tripé regime de metas de inflação, austeridade fiscal e câmbio flutuante, tendo ficado demonstrado que é de longo prazo, deu as condições para a decisão da agência de risco Standard and Poor’s de promover o país à condição de “investment grade” anunciada ontem. Embora a decisão tenha um cunho estritamente financeiro, pois leva em conta apenas se um país tem condições de pagar suas dívidas, ela tem sem dúvida um significado institucional importante, destacado em vários pronunciamentos dos porta-vozes da agência. Esse aspecto político da decisão financeira foi ressaltado pelo novo presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Gilmar Mendes, lembrando que ela representa o reconhecimento de que estamos em um processo democrático maduro, em que as instituições funcionam.
De manhã, antes, portanto do anúncio, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, para criticar a possibilidade de permissão para que o presidente Lula dispute um terceiro mandato consecutivo, lembrara que não há necessidade de permanência no governo de uma mesma pessoa, ou até mesmo de um partido, para que políticas de interesse do país sejam mantidas.
E citou a continuidade da política econômica como demonstração de que o país já alcançou um desenvolvimento político suficiente para ter políticas públicas de interesse nacional e apartidárias.
Embora esse fato irrite os governistas mais sangüíneos, é inegável que a política econômica do governo Lula é a continuação da de Fernando Henrique, em muitos casos aprofundada e aperfeiçoada, o que é bom para o país.
Ontem, por exemplo, foi anunciado que pela primeira vez fechamos o trimestre das contas públicas com superávit nominal, isto é, em condições de pagar o total dos juros.
Por esse lado, portanto, não haveria maiores problemas em uma união entre o PT e o PSDB, como tentam concretizar o governador Aécio Neves e o prefeito Fernando Pimentel. O que emperra esse acordo é uma visão de Estado que, se é semelhante entre tucanos e petistas mineiros, é completamente dessemelhante entre as cúpulas partidárias nacionais.
O PT tem uma visão do papel do Estado que é de “aparelhamento”, potencializado pela ocupação da máquina pública pelo espírito do sindicalismo que domina o governo.
A união entre petistas e tucanos seria natural se predominasse entre os dois grupos políticos uma visão de Estado semelhante, para evitar o fisiologismo de uma base partidária que usa e abusa da repartição de cargos públicos para garantir seu apoio político.
As agências de risco, assim como os agentes financeiros, não analisam a qualidade das contas públicas, mas apenas o resultado final.
Por isso, não se importam se o superávit, primário ou nominal, é conseguido através de uma carga tributária escorchante, ou se o aumento salarial dos servidores públicos está crescendo mais do que a economia.
Essas visões de Estado conflitantes fizeram com que a reforma do Estado, iniciada no governo Fernando Henrique Cardoso, com a redução da máquina pública e a valorização das chamadas “carreiras de Estado”, fosse vista pela gestão Lula como um “desmanche” da máquina pública, o que provocou a mudança de rumo, com o aumento de mais de 200 mil cargos no funcionalismo público e um aumento de gasto com servidores acima do crescimento da economia.
O choque de gestão que Aécio promoveu em Minas, e que tem desdobramentos na prefeitura petista, é o contrário dessa visão fisiológica do Estado, e a coalizão em Belo Horizonte tinha a finalidade de sinalizar a possibilidade de união de políticos de partidos diferentes, mas com pontos de vista coincidentes, que permitisse vislumbrar um futuro governo formado por forças políticas com visões modernas de atuação política e da gestão pública.
O governador Aécio Neves, atropelado pela decisão da executiva nacional do PT de impedir a união na capital de Minas, teve momentos de depressão, mas já se recuperou.
Na sua visão, a prevalecerem esses padrões de conchavos políticos e interesses pessoais, chegar à Presidência significaria ficar refém das mesmas motivações mesquinhas que fazem da política brasileira a antítese da situação econômica.
Por sua vez, o prefeito Fernando Pimentel, economista com mestrado em ciência política, um petista que sabe que os avanços do país fazem parte de um processo de mudança que vem acontecendo ao longo dos últimos anos, a partir da implantação do Plano Real, tenta se impor dentro do PT.
Tem votos, mas não tem prestígio interno, e sua dobradinha com Aécio mexeu com muitos interesses já assentados nos velhos ditames da política tradicional. Antes dessa crise, tinha uma visão otimista do processo político brasileiro, que considera semelhante aos movimentos políticos dos anos 30 que levaram à modernização do país.
Os dois consideram que a união do PT com o PSDB seria necessária para aprovar no Congresso as reformas estruturais de que o país necessita para crescer com segurança, entre elas as da Previdência, a tributária e a política.
Pelo visto nos últimos lances visando à eleição de 2010, somente com uma reforma política profunda será possível prescindir da negociação fisiológica para garantir minutos a mais na televisão na campanha eleitoral, ou a chamada governabilidade, que nada mais é do que a tentativa do governante do momento de impedir que seus adversários inviabilizem seu governo.
A fragmentação partidária é a responsável por colocar interesses particulares acima dos programáticos. nnnnn Na coluna de ontem, ao me referir ao grupo liderado por Lula e José Dirceu no PT, chameio erroneamente de “Convergência”.
O nome correto é “Articulação dos 113”.