sábado, maio 31, 2008

Foro de São Paulo: o encontro dos dinossauros

O foro dos dinossauros

Reunida no Uruguai, a esquerda da América
Latina passa o tempo a repetir velhos clichês


Diogo Schelp, de Montevidéu

Fotos Federico Gutierrez
Plenário do Foro de São Paulo, em Montevidéu: abaixo os Estados Unidos, viva o terrorismo das Farc

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Vídeo do encontro

Um parque dos dinossauros políticos instalou-se durante quatro dias em um edifício à beira-rio em Montevidéu: o 14º Encontro do Foro de São Paulo, que reuniu partidos de esquerda da América Latina e Caribe, entre 22 e 25 de maio. A quantidade de participantes era relativamente grande – 840 delegados, representando 107 organizações de 32 países –, mas a diversidade de idéias fossilizadas era pequena. Apesar de muitos desses partidos e organizações estarem representados em treze governos do continente (as contas são do Foro), o que se ouviu nos debates foram cinqüenta horas de monocórdia repetição de refrões da Guerra Fria – "condenar a crescente e permanente ameaça dos Estados Unidos contra os povos do mundo", "defender a revolução cubana". A idade média dos presentes, pelo menos entre os mais ativos na tribuna, era de 60 anos. Muitos deles são militantes comunistas que, vinte anos depois de essa ideologia fracassada ter sido varrida da história, ainda não arejaram suas idéias políticas. Apesar de os membros do Foro de São Paulo participarem de tantos governos, só um presidente, o da Nicarágua (o segundo país mais pobre do continente, atrás apenas do Haiti), compareceu ao convescote. Nem o presidente do Uruguai, Tabaré Vázquez, cuja coalizão era a anfitriã do encontro, deu as caras. O naipe dos principais oradores em Montevidéu – o nicaragüense Daniel Ortega e o petista Marco Aurélio Garcia, assessor do presidente Lula – ressalta a irrelevância política dos debates que aconteceram em Montevidéu.

É bom que o que foi dito lá não tenha maior repercussão. Se o Foro de São Paulo servisse como um ponto de inflexão capaz de formular políticas para os partidos participantes, a esquerda latino-americana seria convocada a se empenhar em aventuras desastrosas para os povos da região. Para exemplificar o perigo das idéias expostas e aplaudidas em Montevidéu, temos o desprezo que o presidente nicaragüense dedica à democracia. Em seu discurso, ele assim descreveu esse sistema de representação popular: "Trata-se de um instrumento para os capitalistas se perpetuarem no poder". Em seguida, Ortega explicou que apenas aprendeu a usar os meios do inimigo para ascender democraticamente ao comando do país. Já o brasileiro Garcia tratou de atacar a imprensa independente e, revelando-se generoso com o dinheiro que não é dele nem do governo petista, mas do povo brasileiro, ofereceu aos outros países latino-americanos uma participação na exploração das novas reservas petrolíferas encontradas no Brasil.

O Foro de São Paulo foi criado em 1990, por iniciativa do PT, com o objetivo de discutir os rumos da esquerda latino-americana – dado o fato evidente de que o comunismo tinha fracassado na Europa. Entre as organizações fundadoras estavam o Partido Comunista de Cuba e as Farc, o grupo terrorista colombiano. Lula acabara de perder as eleições presidenciais para Fernando Collor e, com exceção da ditadura de Fidel Castro em Cuba, não havia nenhum governo de esquerda na região. O foro era uma espécie de convescote dos desesperados. De lá para cá, muitos dos partidos que participam da entidade chegaram ao poder. Uma análise das declarações finais de todos os catorze encontros temáticos revela que as mesmas palavras de ordem continuam a ser repetidas desde o primeiro foro. Nenhuma proposta viável sobre o que fazer com o poder emergiu dos debates entre os esquerdistas. A rotina do foro em Montevidéu deixa claro por que isso acontece: simplesmente, não havia debate de idéias ou a intenção de apresentar novas interpretações.

As Farc, que até quatro anos atrás participavam ativamente dos trabalhos do foro, continuam a ser tratadas como uma companheira de jornada. Foram feitas críticas genéricas à prática de seqüestro e narcotráfico – os negócios das Farc –, mas a organização criminosa nunca foi citada nominalmente. Os participantes passaram a maior parte do tempo a discutir procedimentos, a fazer monólogos recheados de chavões esquerdistas ("luta popular", "povo irmão" e "tirania do capitalismo global") e a discordar entre si sobre incluir ou não determinada palavra na declaração final. Todo o falatório era acompanhado de paranóia constante sobre o que podia ou não vir a público. A lista de partidos, por exemplo, era divulgada, mas a dos participantes inscritos, não. As reuniões do Grupo de Trabalho, a cúpula do foro, eram feitas a portas fechadas. Cuidados supérfluos, visto que ali se discutiam apenas questões burocráticas. No primeiro dia, parte do debate foi ocupada pela questão do número de companheiros que poderiam ir ao jantar de confraternização, pois não havia lugar para todos. Decidiu-se que seriam 32.

O clima de camaradagem dominava os corredores. Todos se tratavam por "companheiro" e pareciam felizes de fazer parte da mesma família ideológica. Quando um companheiro subia ao púlpito para falar, no entanto, a platéia aproveitava para um cochilo. Só despertava do torpor a partir do momento em que eram proferidas palavras-chave, como "viva Cuba", "imperialismo" ou "neoliberalismo". Uma rara decisão prática do foro foi a de apoiar a "política de recuperação da soberania energética e territorial" do Paraguai. A secretaria executiva do foro – chefiada por Valter Pomar, secretário de relações internacionais do PT – comprometeu-se a trabalhar para que o governo do Brasil aceite discutir a questão da hidrelétrica de Itaipu. Uma resolução, portanto, afinada com os planos antibrasileiros do presidente eleito do Paraguai, Fernando Lugo. Se decisões como essa vão ou não para a frente, isso depende da validade do que disse Pomar a VEJA no primeiro dia do foro: "Não existe um paralelismo entre o que querem os partidos aqui presentes e a ação dos governos que eles apóiam em seus países". É a irrelevância declarada.

Apoio às Farc

"Eu quero expressar minhas condolências e minha solidariedade às Farc e à família do comandante Marulanda. Ele era um homem humilde, e me sinto honrado de ter-lhe dado, em nome de nosso povo, a ordem ‘Sandino’. Manuel Marulanda Vélez, um valente, um lutador."

Daniel Ortega, presidente da Nicarágua, em discurso de encerramento do Foro de São Paulo