quarta-feira, abril 30, 2008

Vamos acordar?- Antonio Delfim Netto


Artigo
Folha de S. Paulo
30/4/2008

UMA VISITA à Argentina, mesmo rápida, é sempre muito agradável. Ela vive um ciclo de crescimento (8,5% em média 2006/07) e se espera qualquer coisa próxima de 7% em 2008, com um robusto crescimento industrial (mais de 9%).
Graças aos aumentos dos preços das suas "commodities" de exportação (soja, milho e trigo), esta tem crescido fortemente (17% em 2006/07) o tem permitido um aumento das importações (25%) com significativos saldos comercial e em conta corrente. Há sérias dúvidas (entre os acadêmicos argentinos) sobre a continuidade desse quadro. Se a situação externa se modificar e a taxa de crescimento for reduzida, poderemos assistir a um novo círculo fiscal vicioso piorando ainda mais a já grave situação inflacionária. Sobre esta há sérios problemas: enquanto o governo a estima em 8%, institutos privados (de alta credibilidade) a estimam em 20%. Isso torna muito difícil saber qual o papel exercido pela taxa cambial e a taxa de juros reais sobre a magnífica taxa de crescimento.
O que realmente preocupa é que: 1º) o bom resultado fiscal deriva do crescimento e é apoiado na tributação do setor externo o que pode sofrer um colapso e 2º) as reivindicações salariais andam entre 20% e 30% (depois dos salários terem crescido mais de 20% em 2006/07). O futuro certamente é opaco e tudo pode acontecer.
Há, entretanto, um aspecto positivo indiscutível na economia argentina que terá enormes conseqüências no longo prazo para o seu crescimento. Todos sabemos que a Tecnologia da Informação (TI), por suas possibilidades de múltiplos usos, é daquelas que produzem "revoluções industriais" (no caso, ainda mais de serviços).
O mercado mundial de TI de mais de um trilhão de dólares (2/3 do PIB brasileiro) está migrando, por muitos motivos, para os países emergentes. Para hospedá-la o Brasil está mais do que preparado, mas continua aparvalhado.
Devido à invencível miopia fiscalista do nosso governo, temos sido incapazes de acompanhar a tempo e a hora, os estímulos que a Argentina (e o Chile, a China, a Colômbia, as Filipinas, a Índia, a Rússia, o México e a República Tcheca!) tem oferecido para atrair indústrias e cérebros ligados ao setor.
Em conseqüência disso, nossas indústrias (no estado da arte) e nossos talentos (reconhecidos mundialmente) têm migrado principalmente para a Argentina, tornando o Brasil dependente externo da tecnologia que já domina. As conseqüência desse imobilismo para a nossa produtividade no longo prazo serão trágicas.
Vamos acordar?