quarta-feira, abril 23, 2008

PAULO RABELLO DE CASTRO- Portugal, uma surpresa-

FOLHA DE S PAULO


A terra de Camões está conseguindo realizar um salto de modernidade visível a olho nu

DESDE O primeiro instante da chegada, a impressão é inteiramente distinta daquela fixada na memória longínqua do viajante a Portugal. Apesar da reclamação da gente local, que não parece inteiramente satisfeita, apesar de tanto progresso alcançado nos últimos anos, a terra de Camões está conseguindo realizar um salto de modernidade visível a olho nu.
A revolução silenciosa do progresso econômico trouxe, não só a Lisboa, mas a toda parte, por onde se anda, a célere recuperação dos múltiplos extratos da rica história lusitana, via resgate dos prédios históricos, dos monumentos e praças, lado a lado das avenidas largas, de shoppings sofisticados, supermercados abarrotados de variedades desconhecidas no Brasil, e mais indústrias, parques tecnológicos, além de novos centros de distribuição servidos por modernas auto-estradas e vias férreas de Primeiro Mundo.
Fui a Portugal a convite de Ernâni Lopes, extraordinário economista, responsável pela integração do país à União Européia. O 19º encontro SaeR, por ele coordenado, teve como tema a desejada integração entre Portugal, Brasil e demais países da comunidade lusofônica (Angola, Moçambique, Cabo Verde, São Tomé e Príncipe, Guiné-Bissau e Timor Leste).
O debate realizou-se, de propósito, no mesmo dia em que se registra a chegada de d. João e sua corte ao Rio, há 200 anos, em 7 de março de 1808. No Rio, Cavaco Silva, presidente de Portugal, reunia-se com Lula. Amenidades trocadas, renovaram-se os votos de colaboração em todos os campos possíveis. Mas a mesma língua que nos aproxima parece ser aquela que nos incapacita de tecer articulações pragmáticas e pactuar alianças realizáveis, para além do que já faz o capital empresarial português no Brasil, por conta própria; em áreas como energia, petróleo, telecom, logística, centros comerciais, hotelaria e alimentação.
Embora haja um mundo ainda por fazer em Portugal, especialmente na educação e na incorporação de novas tecnologias, o certo é que o avozinho ganhou porte de atleta, o que contrasta com o definhamento progressivo do Brasil. Não é mais Portugal que emigra para cá. É o Brasil que exporta para Portugal a gente trabalhadora da nossa terra, para realizar os trabalhos já não procurados pelos portugueses em Lisboa e no interior.
Não só. Numa importante adega de Ribatejo, a Pinhal da Torre, encontrei também ucranianos. Países que confiaram em políticas econômicas retrógradas e unidirecionadas não são capazes de empregar a totalidade de seus jovens e adultos.
No modernizado comércio português, encontrar um produto "made in Brasil" é procurar agulha em palheiro. A companhia aérea do Brasil tampouco está mais lá. Seu nome ainda ficou pendurado em prédio sobre a rotunda da Marquês de Pombal, como a foto de um ente querido que jamais voltará. Enquanto isso, os guichês da linha aérea portuguesa abrem-se para cinco destinos diários diferentes e simultâneos no Brasil, violando a lógica estúpida do "hub" único que massacra passageiros em Cumbica.
Na reunião integrativa da SaeR, pude alertar de que, na perspectiva do longo prazo, dos próximos 30 anos, muito lucraria o Brasil de andar mais próximo a seus antecessores históricos e perceber melhor como eles conduzem seus negócios.
Para começar, uma "Agenda 21" de medidas financeiras e econômicas integrativas, formando a partir dela uma plataforma para Europa, África e Oriente Médio. Barreiras entre os dois países precisam cair, em impostos, em regras comerciais, em instrumentos financeiros.

PAULO RABELLO DE CASTRO , 59, doutor em economia pela Universidade de Chicago (EUA), é vice-presidente do Instituto Atlântico e chairman da SR Rating, classificadora de riscos. Preside a RC Consultores, consultoria econômica, e o Conselho de Planejamento Estratégico da Fecomercio SP. Escreve às quartas, a cada 15 dias, nesta coluna.