O Estado de S. Paulo |
29/4/2008 |
A pesquisa CNT/Sensus que registra novo aumento na popularidade do presidente Luiz Inácio da Silva traz novidades. A mais espantosa é a presença do nome de Lula no rol dos candidatos citados espontaneamente pelo eleitor como preferidos para a eleição de presidente em 2010. A mais espalhafatosa, o crescimento do porcentual de apoio à hipótese do terceiro mandato. Quase 30% das pessoas lembram o nome de Lula como preferido para a próxima eleição presidencial, informação inexistente nas pesquisas até então. Pouco mais de 50% apóiam a idéia de mudar a Constituição para dar a ele a chance de disputar outro mandato subseqüente, posição inversa à da última (e única) pesquisa a pôr o tema em exame. Em dezembro de 2007, o instituto Datafolha registrou que 65% dos consultados repudiavam a proposta da continuidade. São duas questões virtuais. Nenhuma das duas existe na vida real. Entretanto, a quantidade de adeptos que reúnem não permite que sejam ignoradas ou menosprezadas porque se prestam a suspeitas sobre as intenções metodológicas da pesquisa. Se a possibilidade de Lula concorrer em 2010 não está no cenário da sucessão, qual a razão de se consultar a população a respeito, por que tratar do que não existe? Embora a dúvida seja pertinente, pois se Lula nega com veemência tais pretensões em tese o assunto não deveria estar na pauta, ela vira mero detalhe diante dos números. Impressionam, realmente. O presidente continua lá em cima, seus possíveis candidatos permanecem lá embaixo e o que até quatro meses atrás era uma maioria contrária ao terceiro mandato hoje já começa a se transformar em uma maioria a favor. Sinal de que o brasileiro compreende o que está em jogo e, mesmo assim, é um golpista em potencial? Não, evidência de que a opção preferencial de Lula pelo governo de palanque deu resultados. O tom exaltado e guerreador dos discursos cumpriu seu objetivo. Qual seja o de “disputar” a agenda do mundo de maravilhas presumidas contidas sob o guarda-chuva da marca de fantasia PAC com as dificuldades do mundo real, expressas nos embates do Congresso e retratadas pelos meios de comunicação. Semanas atrás, o senador Aloizio Mercadante dava sua interpretação para a disparidade entre a dimensão que o presidente conferia à força da oposição em seus discursos e a fragilidade concreta de seus adversários. “O governo está fraco no Parlamento e na imprensa, onde a pauta da oposição tem hegemonia. Se ele ficar em Brasília, dentro do Palácio, torna-se refém dessa agenda. Então, ele sai para disputar e faz a pauta do povo que quer ouvir falar de obras, de energia, de coisas concretas”, dizia Mercadante, acrescentando: “O povo é situacionista.” O reforço diário desse sentimento “a favor” tem sido o esforço do presidente Lula. Propaganda e realidade são duas esferas distintas, mas, em determinados momentos, não necessariamente excludentes. Agora, quando faz campanha todo dia acusando a oposição de acusá-lo de fazer o que está de fato fazendo, Lula confunde e entusiasma. Fala sozinho, entre outros motivos porque ao principal candidato da oposição (José Serra) interessa mais ser vaiado calado no palanque do PAC do que arrumar uma briga inútil de desmentidos e confrontações com o presidente da República. Do mesmo modo, outros governadores, prefeitos e parlamentares que ouvem Lula desfiar dados passados, presentes e futuros, dando ao PAC o sentido da panacéia da salvação universal, não dirão ali que o presidente devaneia sobre um ajuntamento de projetos cujos resultados são de dificílima aferição. Na fronteira entre a fantasia e a realidade também reside o terceiro mandato. Era um tabu, mas tanto se falou no assunto que foi perdendo o caráter proibitivo e, como se vê na pesquisa, começa a ser incorporado à paisagem. Isso quer dizer que a mudança na Constituição se tornou uma tarefa fácil? Nem de longe. Significa, no máximo, que diante de tanto debate sobre um tema “bom” para quem se apresenta como realizador do “bem”, as pessoas aderem a ele sem medir prós e contras. Inclusive porque não dispõem de todas as informações. Coisa que só aconteceria quando, e se, a proposta fosse concretizada. Nessa fase haveria a entrada do contraditório em cena e só então seria possível ter um retrato fiel da aceitação, ou não, da tese da continuidade. No mundo maravilhoso do palanque, nenhuma dificuldade aparece. Nem mesmo a maior delas agora: a inexistência de um candidato competitivo para, na regra atual, assegurar a permanência do atual grupo a bordo da máquina do Estado. Com sua movimentação muito bem montada, falando o que as pessoas querem ouvir e sem contestação de uma voz ou rosto que possa representar o seu “anti” ou o seu “pós”, o presidente Lula consegue, ao mesmo tempo, alimentar a popularidade e manter viva a impressão de que é eleitoralmente imortal e ainda encarna uma longínqua expectativa de poder. |