quarta-feira, abril 02, 2008

Amigo do alheio


Artigo - Alexandre Schwartsman
Folha de S. Paulo
2/4/2008

Não fosse a ampliação das importações, ou a inflação já teria se desviado da meta ou o BC já teria elevado os juros

DEPOIS DE cinco anos de superávits, o Brasil voltou a registrar déficits em suas transações de bens e serviços com o exterior. Entre junho de 2007 e fevereiro deste ano, a conta corrente passou de um saldo positivo de US$ 13,3 bilhões para um negativo de US$ 5 bilhões, uma diferença de US$ 18,3 bilhões. Embora a remessa de lucros explique parcela significativa dessa mudança, não resta dúvida de que a maior parte do movimento se deve à balança comercial, cujo saldo se reduziu em US$ 11 bilhões no período, não por exportações mais baixas, mas devido ao aumento das importações, o que bastou para pôr os suspeitos de sempre em polvorosa.
Na verdade, o país padece de um forte viés antiimportação. Basta que as importações cresçam para que se observe a grita generalizada dos arautos protecionistas. No entanto, as mesmas vozes que protestam contra as importações são as que tecem loas ao crescimento do mercado interno, como se não houvesse nenhuma relação entre os dois fenômenos. A maior ironia, porém, é que o rápido crescimento das importações resulta do próprio fechamento do país ao comércio internacional pregado por essas mesmas pessoas.
De fato, é possível mostrar (ao custo, porém, de matar de tédio o raro leitor) que a diferença entre o crescimento da demanda doméstica (7%) e o PIB (5,4%), num país em que exportações e importação representam respectivamente 14% e 12,5% do PIB, implica importações (em quantidade) crescendo algo como 13% acima das exportações. Essa mesma diferença entre demanda interna e PIB num país cuja exposição ao comércio internacional fosse duas vezes maior que a brasileira implicaria um crescimento das importações apenas 5,7% mais rápido que o das exportações. Não bastasse isso, pode-se também mostrar que, no caso brasileiro, cada 1% ao ano adicional de crescimento da demanda relativamente ao PIB requer uma expansão de 8% anuais das quantidades importadas. No país duas vezes mais aberto, esse mesmo crescimento adicional requereria apenas 3,7% ao ano a mais de importações.
Em tal contexto, dada a aceleração da demanda doméstica no primeiro trimestre deste ano, as quantidades importadas deveriam crescer 18% mais rápido do que as exportações. Como estas aumentaram 5% nos 12 meses terminados em fevereiro, a expansão das importações deveria atingir 24%, precisamente o que observamos. Some a isso 10% de aumento de preços de importações e temos um aumento das importações, em dólares, de 37%, também o número observado em fevereiro.
Não há, pois, nada de sobrenatural ou distorcido no crescimento rápido das importações, mas tão-somente o resultado da demanda doméstica aumentando a uma velocidade bem superior ao produto num país pouco exposto ao comércio internacional.
Há, é verdade, quem argumente que, na ausência das importações, a demanda teria sido suprida pela produção local, mas basta observar o setor industrial trabalhando no limite da sua capacidade para perceber que, não fosse a ampliação das importações, ou a inflação já teria se desviado significativamente da meta ou o Banco Central já teria elevado os juros e contido o crescimento da demanda doméstica.
Vale dizer, o ressurgimento do déficit em conta corrente é a conseqüência natural do crescimento da demanda doméstica. Se o governo está preocupado com isso, deveria reduzir seus gastos, embora pareça mais inclinado, como sempre, a reduzir o gasto alheio.