ENQUANTO se discute se 2010 será "anti-Lula" ou "pós-Lula", o próprio vai movendo, no jogo municipal de 2008, peças que lhe serão valiosas para interferir no xadrez de sua sucessão.
Tome-se o caso do Rio. À diferença da eleição paulistana, que segue um roteiro até agora linear sobre a guerra civil na nação demo-tucana, a carioca já está, graças ao Planalto, em seu terceiro script.
No primeiro, o governador amigo de Lula (Sérgio Cabral, do PMDB) e o prefeito inimigo de Lula (Cesar Maia, do DEM) teriam juntos um candidato. O presidente ficaria a ver navios. Estranho.
Na segunda versão, Cabral abandonou Cesar para lançar um de seus secretários, neopeemedebista oriundo do PSDB e da CPI dos Correios -justo aquela. A Lula caberia engolir o vira-casacas. Estranho também. O PSDB complementou o texto adotando um nome competitivo (Fernando Gabeira, do PV).
Agora, no "twist" mais espetacular da história, Lula convenceu Cabral a rifar seu candidato e colocar o PMDB a serviço do PT apoiando Alessandro Molon, jovem deputado estadual hoje no patamar de um dígito de intenções de voto.
De novo, mostra-se furada uma das teorias favoritas da crônica política, segundo a qual Lula, o bom pastor, passa a vida tentando moderar o apetite do PT em benefício das outras siglas do rebanho aliado.
Sem contar o apoio inercial dos candidatos do "bloquinho", o presidente ficou com dois palanques portentosos no Rio: o do senador Marcelo Crivella (PRB), líder nas pesquisas e depositário do expressivo voto evangélico local, e o de Molon, que será alimentado pelas máquinas federal e estadual e, para melhorar, é originário do movimento "Deus é Dez", vertente pop do catolicismo carismático.
De quebra, a reviravolta serviu para puxar os freios de Aécio Neves (PSDB) e Ciro Gomes (PSB). Com Cabral, Lula ganha uma terceira ferramenta multiuso para 2010.
Para o governador de Minas, aliás, a semana reservou mensagem adicional: a coalizão com o PT em Belo Horizonte vai depender do "dedazo" do presidente, e não só dos petistas da capital mineira.
A idéia de Lula, vale lembrar, era usar o experimento transgênico de BH para enfraquecer José Serra -e não para fortalecer exageradamente Aécio ou dar a Ciro, padrinho do candidato que se pretende inventar ali, a impressão de que pode se virar sem Lula em 2010.
É claro que tudo pode dar errado no Rio. Talvez a cidade não seja tão benevolente a ponto de culpar apenas Cesar Maia pela tragédia da dengue. Talvez o eleitor não seja tão dócil quanto Sérgio Cabral -de quem logo, logo, Lula estará escolhendo até a cor da camisa. Mas o recado foi dado. "Pós-Lula", só em 2011. Ou talvez nem isso.