sábado, março 29, 2008

Livros Para Ler Como um Escritor, de Francine Prose

O kama-sutra do texto

A americana Francine Prose mostra os truques e as sutilezas
que os bons escritores usam para causar prazer nos leitores


Jerônimo Teixeira

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Trecho do livro

Se você gosta de livros, certamente já viveu aquele momento em que uma página de Flaubert ou Dostoievski provoca um arrepio de prazer – ou talvez aquele arrebatamento que os grandes poemas causavam à escritora americana Emily Dickinson: "Sinto fisicamente como se o topo da minha cabeça tivesse sido arrancado". Talvez você nem sempre consiga explicar por que determinado autor, obra ou trecho provoca tamanha comoção. Em um livro repleto de entusiasmo, a escritora americana Francine Prose dedicou-se a dissecar alguns dos mecanismos empregados pelos escritores para arrancar o topo de sua caixa craniana. Para Ler Como um Escritor (tradução de Maria Luiza X. de A. Borges; Jorge Zahar; 320 páginas; 44,90 reais) dirige-se ao escritor iniciante que deseja aprender os truques dos mestres. Mas também é um livro revelador para o leitor comum.

Francine já deu aulas de redação criativa em universidades americanas, e seu livro reflete essa experiência. Ela conta como foi apresentar A Marquesa d’O. – novela do alemão Heinrich von Kleist que traz, entre outros temas escandalosos, uma insinuação de incesto entre pai e filha – para uma turma de jovens do Utah, muitos deles mórmons devotos. Mas Francine também se mostra cética em relação às regras que se tornaram comuns nas oficinas literárias. Ela sugere até que as obras inovadoras de Franz Kafka ou Samuel Beckett não seriam aceitas em classes de redação criativa (se elas existissem quando aquelas obras vieram à luz). Para Ler Como um Escritor é saudavelmente desprovido de dogmas. Há infinitas maneiras de compor um diálogo ou de caracterizar um personagem – e, portanto, é inútil baixar regras. No fim do livro, a autora sugere uma lista de "livros para ler imediatamente" – obras modelares da técnica literária (a edição brasileira é complementada por uma lista de autores nacionais, selecionada pelo poeta Italo Moriconi).

A autora ensina pelo exemplo. Apresenta trechos de clássicos como Anton Tchekov ou de escritores contemporâneos como Philip Roth e disseca os recursos que fazem a superioridade desses textos. Francine tem sensibilidade para desencavar detalhes que o leitor às vezes deixa passar, como a descrição de uma gravura no quarto do protagonista de A Metamorfose, de Kafka – uma minúcia realista que torna mais plausível a transformação do personagem em inseto. O caso de Jane Austen, no quadro da página ao lado, é igualmente expressivo: um trecho cheio de dissimulações que tornam mais ferino o retrato de um sovina. Para Ler Como um Escritor pertence à tradição de Aspectos do Romance, do inglês E.M. Forster, e ABC da Literatura, do americano Ezra Pound – obras em que os autores expõem seus modelos criativos. Francine, porém, é mais informal. Cultiva um certo tom de conversa íntima – como quem busca seduzir leitores de uma época que esqueceu o fascínio dos bons livros.