sábado, março 01, 2008

A gramática segundo Ivanildo Bechara

O decano do português

Evanildo Bechara, um dos maiores gramáticos do Brasil, completa 
80 anos – e segue na defesa do ensino correto da língua


Jerônimo Teixeira


Evanildo Bechara: o encanto com o estudo de línguas fez com que ele desistisse da engenharia

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• Trecho do livro

O adolescente Evanildo Bechara sonhava em ser engenheiro aeronáutico. Era influência do tio-avô, militar que trabalhava numa base aérea e acolhera Bechara no Rio de Janeiro quando a família do jovem, no Recife, passou por dificuldades financeiras depois da morte do pai. Com prematuros 12 anos, Bechara já dava aulas particulares. Queria ensinar matemática, mas só lhe chegavam estudantes de português e latim. Por força da necessidade, debruçou-se sobre as gramáticas – e o encanto que encontrou nesses livros fez com que esquecesse os aviões: "A língua reflete a liberdade do homem. É uma disciplina em que existem regras, mas acima delas está a intenção expressiva de cada falante e de cada escritor". É essa dupla compreensão da liberdade e das regras da língua portuguesa que faz de Bechara um gramático muito particular. Ele não cultiva preciosismos tolos(exemplos no quadro abaixo), mas também não referenda o vale-tudo daqueles que consideram as regras do bom português uma espécie de "ferramenta de opressão". Membro da Academia Brasileira de Letras, Bechara completou 80 anos na semana passada e está colhendo os merecidos tributos. Acaba de ver lançado Homenagem: 80 Anos de Evanildo Bechara (Nova Fronteira/Lucerna; 200 páginas; 29,90 reais), coletânea de ensaios de vários estudiosos da língua sobre sua obra. As mesmas editoras vão relançar ainda neste mês uma nova edição de sua consagrada Moderna Gramática Portuguesa, publicada originalmente em 1961.

"A Moderna Gramática Portuguesa é o melhor que o Brasil tem em termos de gramática. Bechara é um acadêmico tradicional que os que querem ser modernos deveriam ler", diz Cláudio Moreno, professor de português aposentado da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e coordenador do programa de português do Colégio Leonardo da Vinci, de Porto Alegre. Bechara teve uma formação muito sólida. Na juventude, foi discípulo de Manuel Said Ali, o primeiro no país a trabalhar com os conceitos fundamentais do suíço Ferdinand de Saussure, o pai da lingüística moderna. No início dos anos 60, estudou filologia românica na Universidade de Madri. Também passou períodos lecionando nas universidades de Colônia, na Alemanha, e Coimbra, em Portugal. Sua autoridade nos assuntos da língua portuguesa deve-se a essa educação amparada tanto no estudo formal da língua – a lingüística – quanto no exame dos textos e documentos clássicos da tradição – a filologia. Bechara lamenta que a filologia ande em descrédito nas faculdades de letras. "Os lingüistas hoje têm grande deficiência no conhecimento do português, porque não conhecem seus grandes escritores", diz.

Homem de fala calma e ponderada, Bechara é ainda assim muito incisivo na crítica ao estado do ensino de português no Brasil. Por influência de certas teorias equivocadas da sociolingüística, a educação brasileira, afirma Bechara, estaria se deixando levar por uma exaltação impensada da língua espontânea ou "popular". "Os sociolingüistas acreditam que ensinar a língua-padrão é uma forma de preconceito social. É um erro. O domínio do padrão é parte essencial da competência lingüís-tica do falante", diz Bechara. Autores vinculados a essa vertente, é claro, têm suas restrições a Bechara – mas o respeitam. Em um artigo divulgado em um congresso profissional, o lingüista Marcos Bagno, da Universidade de Brasília, autor de Preconceito Lingüístico, considera que a filiação de Bechara à Academia por si só já demonstraria sua vinculação a "um ideário conservador e elitista" – mas Bagno também diz que Bechara é "o mais importante gramático brasileiro vivo". Na segunda parte, está certo.

 

Pelo bom senso lingüístico

Equívocos no ensino do português, segundo Evanildo Bechara

Risco de vida – Há professores que condenam essa expressão. O correto seria "risco de morte". Nesse caso, porém, é o uso que dá a norma – e o uso consagrou "risco de vida"

Correr atrás do prejuízo – Outra expressão perseguida como incorreta, pois se vai atrás do lucro, não do prejuízo. "As pessoas não percebem que ‘correr atrás’, neste caso, quer dizer diminuir", esclarece Bechara

Hora da onça beber água – Muitos gramáticos ensinam que "antes do dia nascer" ou "a hora da onça beber água" estão errados: deve-se escrever "de o dia" e "de a onça" para respeitar a sintaxe. Bechara nota que a diferença entre "de a" e "da" é apenas fonética. Não muda nada na sintaxe

Coffee break – Bechara considera impróprias algumas palavras estrangeiras utilizadas não por necessidade cultural, mas por esnobismo. Seria o caso de "coffee break" no lugar de "intervalo" e de "paper" no lugar de "monografia"