editorial |
O Estado de S. Paulo |
25/3/2008 |
A ineficácia da política pública de combate ao mosquito transmissor da dengue e o jogo de empurra entre os governos federal, estadual e municipal produziram um resultado concreto no Rio de Janeiro: agora, a doença é epidêmica. Nos últimos 15 anos, na cidade do Rio de Janeiro, morreram vítimas da dengue 149 pessoas, registrando-se 274,9 mil casos da doença. Conforme levantamento realizado pelas Secretarias Municipal e Estadual da Saúde, a pedido do jornal O Globo, outras 204 pessoas morreram no mesmo período no Estado, tendo sido notificados 613,4 mil casos. Durante esse período, as autoridades municipais, estaduais e federais não foram capazes de implantar uma política eficaz de combate ao mosquito transmissor da doença nem de preparar a rede pública de hospitais para atender ao número crescente de casos. Mais de 32 mil casos de dengue já foram registrados no Estado do Rio nos três primeiros meses deste ano. Quase 100 mortes foram notificadas como suspeitas de dengue, sendo 48 confirmadas, número que já supera o total de mortes (31) ocorridos no Rio em todo o ano de 2007. O índice de letalidade da doença na cidade está em torno de 5% dos pacientes contaminados, muito acima do considerado aceitável pela Organização Mundial da Saúde (OMS), que é de 1%. O que a epidemia de dengue no Rio de Janeiro mostra é o criminoso descaso dos governos pela erradicação dos criadouros do mosquito transmissor, que se revela na falta de equipes de fiscalização, de equipamentos de pulverização de inseticidas e de campanhas de conscientização da população. O mesmo descaso é também o responsável pelas ominosas filas nos hospitais - onde doentes esperam até seis horas por atendimento -, pelas falhas nos diagnósticos, pela falta de médicos e demais funcionários da saúde e pela falta de estrutura laboratorial, entre outros. O que acontece no Rio - e pode se repetir em outras cidades do País - é o produto da politicagem que sempre ocupou o lugar das decisões técnicas em questões de saúde pública. Cada esfera de governo anuncia que faz mais do que as outras, enquanto a população continua sem assistência adequada. No ano passado, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva classificou a saúde pública no Brasil de "quase perfeita". Certamente não estava informado sobre as ocorrências de dengue. Na segunda-feira o ministro da Saúde, José Gomes Temporão (PMDB), ao anunciar um pacote de medidas de emergência para tentar controlar a epidemia no Rio, não seguiu as orientações do presidente Lula, que pediu a despolitização da crise da dengue, e atacou a "fragilidade da rede básica de atendimento", de responsabilidade do governo municipal. "A única coisa boa que eu vi nos últimos dez anos na área de saúde do Rio foi a criação das Upas (Unidade de Pronto-Atendimento), que foi realização do governador Sérgio Cabral", que também é do PMDB. O ministro não explicou, porém, as razões do atraso da iniciativa federal no combate à doença. O prefeito César Maia, por sua vez, acusou o governo federal de não ter feito o repasse prometido de verbas para a saúde do município e disse que, em 2001, quando assumiu o segundo mandato no Rio, demitiu Temporão da Subsecretaria Municipal de Saúde, o que o ministro não lhe perdoa. Segundo ele, as áreas de atendimento de emergências dos hospitais federais do Rio estão fechadas. É a politicagem desagregando forças que deveriam se unir para proteger a população. Diante da reação da opinião pública à desídia do poder público, o governo federal anunciou a criação de 660 pontos de atendimento ambulatorial para hidratação, a criação de mais 220 leitos em enfermarias de 6 hospitais gerais e a contratação temporária de 661 profissionais de saúde. Ou seja, tenta-se fazer agora, em caráter de emergência, o que deveria ser rotina, em matéria de saúde pública. Os brasileiros já se viram livres da dengue - o mosquito Aedes aegypti foi erradicado das áreas urbanas nas décadas de 50 e 70 - e se hoje voltam a ser vítimas da doença é, exclusivamente, por conta da falência do poder público. |