domingo, março 23, 2008

Dora Kramer entrevista Aécio Neves

'O Brasil precisa que se converse mais'

ENTREVISTA - Aécio Neves: governador de Minas

Dora Kramer, BRASÍLIA

No ambiente de campanha presidencial antecipada que se instalou no Brasil, os personagens da sucessão do presidente Luiz Inácio da Silva começam a sair da sombra e circular à luz. O mais serelepe deles tem sido o governador de Minas Gerais, Aécio Neves.

Abriu um ciclo de conversações com todos os partidos potencialmente influentes no processo, mas jura que por enquanto pretende com isso apenas se credenciar como o grande construtor de pontes de conciliação política.

Se é óbvia a intenção de se encaixar no molde do avô Tancredo Neves, é evidente também a tentativa de quebrar a idéia de que o governador de São Paulo, José Serra, está consolidado como candidato do PSDB à Presidência da República.

Nesta entrevista, feita numa tarde de terça-feira surpreendentemente calma no Palácio das Mangabeiras, Aécio nega a possibilidade de uma aliança eleitoral entre PT e PSDB para 2010 - “está fora de cogitação” -, diz que não pensa em trocar a “trincheira” tucana por outro partido e avisa: qualquer que seja seu destino político, alterações em seu (invejado) estilo “bon vivant” são inegociáveis.

“Se for preciso me submeter ao estereótipo do homem público, não contem comigo.”

Qual é a chance de o senhor vir a ser candidato à Presidência da República?

Isso só acontecerá se houver uma grande convergência em torno do meu nome. Ninguém no meu partido será candidato apenas porque gostaria de ser candidato, esta é apenas uma das precondições.

Quais as outras?

Uma é a adesão de outras forças políticas que dêem ao PSDB a segurança de que não caminhará solitário na campanha e que, lá na frente, terá condições de governabilidade. A outra é ter um projeto de país. Por falta de projeto, o governo Lula desperdiçou suas vantagens e deixou de fazer as reformas previdenciária, tributária e política. A partir de 2010 será preciso recuperar o terreno perdido e eu estarei pronto para participar desse projeto, sendo ou não candidato a presidente da República.

Fora a Presidência, o que lhe encanta?

Como não tenho obsessão por ser presidente, vejo o Senado como alternativa importante. Agora, o essencial hoje nem é o cargo que possa vir a ocupar, mas a tarefa que resolvi cumprir.

Qual é ela?

A construção de pontes. O Brasil precisa que as pessoas conversem mais. O projeto de país a que me referi só vai acontecer se as pessoas de bem se entenderem. Portanto, que ninguém se espante, porque as conversas que venho tendo com lideranças importantes vão continuar, independentemente da candidatura à Presidência.

Pois são vistas como preparatórias da candidatura.

Podem ser vistas assim, mas devem ser interpretadas também como uma preparação para outro papel, nada desprezível, de construção de maiorias no Congresso Nacional. Já fiz isso como presidente da Câmara e posso fazer de novo.

Circulam especulações não desmentidas que parecem lhe interessar politicamente. O senhor pensa em sair do PSDB?

Não tive até agora e acredito que não terei motivo para buscar outra trincheira que não seja o PSDB. O mais são especulações naturais que buscam incluir este ou aquele político no jogo de 2010, mas, antes do final de 2009, não haverá nenhuma decisão concreta e consistente de nenhum partido ou ator importante do processo eleitoral.

No seu partido essa decisão passa pela realização de prévias?

Seria bom, por uma razão objetiva: nós viemos, ao longo das últimas eleições, definindo muito de cima para baixo os caminhos do PSDB. Não ganhamos. Agora temos uma chance real e acho que as prévias podem ser essenciais para a mobilização do partido e a atração de aliados.

Portanto, seu nome está, desde já, inscrito nas prévias.

Depende. O PSDB chegará lá com mais de um candidato? Pode ser que as circunstâncias levem em outra direção, na consolidação de um só nome. O PSDB tem um nome qualificado que aparece liderando as pesquisas, que é o governador José Serra. Se meu nome é lembrado também, ótimo, mas vamos deixar chegar o momento certo para, então, definir.

O senhor fala muito em convergência de forças. Isso não empobrece a política?

Não, você não precisa ser oposição apenas para derrotar quem está no governo, muitas vezes sendo incoerente com as suas idéias. O PT é o melhor exemplo de uma oposição que não serve mais ao Brasil.

O antagonismo não é salutar na democracia?

É, a disputa deve existir, mas é preciso que haja também uma clareza sobre o que cada um pretende fazer no poder, porque aí pode haver convergências pontuais. Eu não falo de uma aliança eleitoral do PT com o PSDB, isso está fora de cogitação. Falo de um novo clima em que o derrotado não se sinta no dever de inviabilizar todas as ações do governo eleito.

Essa aliança com o PT em Belo Horizonte tem repercussão futura?

Só se for como expressão de um jeito novo de fazer política e administrar, dando prioridade ao interesse do cidadão e não à conveniência do mundo político.

Se o PT vetar, essa aliança estará desfeita?

Acredito que não, porque ela traduz o sentimento da população. As pesquisas mostram que 86% das pessoas apóiam. Eu acharia estranho que o PT contrariasse esse sentimento. Não acredito no veto.

O senhor é adepto da tese do fim da reeleição já?

Não gosto do instituto da reeleição. Temos de fazer nosso mea culpa, mas não vejo possibilidade de mudar isso agora. O assunto não está na agenda da população e, no momento, dá margem à leitura de que atende a barganhas eleitorais.

Poderia dar margem também a tentativas de instituir o terceiro mandato?

Não acredito, porque aquilo que não caminha junto com o sentimento da nação tem muito pouca chance de prosperar. Não acho que o presidente Lula macularia sua trajetória final com uma tentativa dessas.

Acredita que uma reforma política ainda é possível?

Só depois de 2010. Até lá o ambiente estará contaminado pelas disputas. Esse tipo de reforma se faz no início do governo. Lamento que o presidente Lula, que tanto falou no assunto na última campanha, não tenha se disposto a desagradar sua base aliada para levá-la adiante.

A tarefa não seria do Congresso?

Nenhuma reforma estrutural no Brasil, onde o presidencialismo é quase monárquico, avança sem que haja a determinação do governo de aprová-la. Mas a história do governo Lula tem sido a de não criar atritos com setores com os quais ele possa vir a contar no futuro.

O senhor, presidente da República, contrariaria seus aliados?

Se fosse para algo importante, sem dúvida, até porque não faria compromissos prévios de não tocar nisso ou naquilo.

Na sua opinião, o fisiologismo um dia morre ou é eterno?

Sendo realista, num país plural e carente como o Brasil uma dose de fisiologismo sempre haverá. Mas eu não tenho dúvida de que é possível elevar, e muito, o nível dessas relações.

Como?

Governando a partir de projeto de país e não de projeto de poder. Se a gente tem uma agenda que possa reunir as pessoas mais decentes e responsáveis, isso diminui o espaço, a pressão e a necessidade das negociações meramente fisiológicas como acontece hoje.

Olhe para os últimos cinco anos e analise: que oposição fez o PSDB?

Somos mais responsáveis do que foi o PT conosco. No Congresso é natural que o embate seja mais duro. Já os governantes têm outras responsabilidades. Por exemplo, tivemos uma discordância em relação à CMPF.

Pois é, valeu a pena ficar a favor?

Não me arrependo de ter defendido uma negociação que ampliaria, e muito, os recursos para a saúde. Não critico o meu partido, mas acho que ser oposição não deve significar apenas derrotar, mas negociar e fazer o governo ceder.

Conciliação em excesso não subtrai identidade partidária?

Na lógica anterior do PT, talvez. Eu não me orgulharia se o PSDB estivesse na oposição reeditando aquele radicalismo. O PSDB sempre será patrulhado por isso, mas o fato de termos administrado o Brasil por oito anos não nos permite ser levianos.

Depois que cumprir seus oito anos, que herança o PT deixará?

Da mesma forma que reconheço avanços, sobretudo na questão econômica, não posso deixar de apontar algumas heranças perversas. Em especial o aparelhamento da máquina administrativa e a baixa qualidade da gestão pública.

Qual será a tarefa mais difícil do pós-Lula?

Reorganizar o Estado. Houve um alargamento extraordinário dos gastos correntes do governo. Nos últimos anos o custeio da máquina cresceu muito mais que a economia. É preciso inverter essa lógica e fazer um grande investimento em gestão pública para superar isso. Ouso dizer que Minas Gerais é um bom exemplo.

O fato de ser solteiro não atrapalha o plano de ser presidente?

No momento em que estiver pronto, serei muito feliz se puder estar novamente casado. Se não acontecer, não será isso que mudará a eficiência do governo. Além do mais, quem submete sua felicidade pessoal a conveniências políticas não é confiável.

Sua agitada vida social é apontada aqui e ali como um obstáculo.

Dentro dos limites adequados, as pessoas devem ser o que elas são. E acho que essa pergunta, que é a última, melhor do que eu quem pode responder é a população de Minas Gerais.

A última é sobre seu namoro com a miss Natália Guimarães. Isso é verdade?

Não, não, é uma grande amiga. Agora, ainda sobre o fato de ser solteiro: se for preciso algum dia que eu submeta a minha felicidade pessoal a regras que as pessoas acham adequadas ao estereótipo do homem público, não contem comigo.

Quem é:
Aécio Neves

É formado em Economia pela PUC de Minas Gerais.

Iniciou a carreira política aos 22 anos, como secretário de seu avô Tancredo Neves, então governador de Minas.

Em 1986, foi eleito deputado federal pela primeira vez


ESTILO: “Se for preciso que eu me submeta ao estereótipo do homem público, não contem comigo”

SIGLAS: “Não tive até agora e acredito que não terei motivo para buscar outra trincheira que não seja o PSDB”

CONVICÇÃO: “Ser oposição não deve significar apenas derrotar, mas negociar e fazer o governo ceder”