O Estado de S. Paulo |
28/3/2008 |
A diferença é notável. Nos Estados Unidos, o banco central (Federal Reserve, o Fed) finge que não vê a disparada da inflação que, neste ano, aponta para algo próximo do que vai dar aqui no Brasil, provavelmente 4%, para concentrar-se no combate à crise. Todos esperam que, apesar do galope dos preços, nos Estados Unidos os juros sigam em queda. Aqui, o Banco Central está especialmente preocupado com a estocada dos preços, embora projete para este e para o próximo ano uma inflação ligeiramente acima do centro da meta (4,5%). Ontem saiu prevenindo os espíritos. Ficou a mensagem de que, se os juros não forem puxados para cima, como manda o manual, a inflação pode escapar para a altura dos 5% (já acima da meta de 4,5%) e daí para o que Deus mandar. E, nisso, lembrou o esconjuro que o presidente Lula fez há uma semana contra 'a volta da desgraçada da inflação'. A inflação da hora pouco tem a ver com aumento de custos (caso da disparada das commodities), cujo combate não se faz com juros mais altos. Tem a ver com inflação de demanda, diz o Relatório de Inflação (veja o Entenda) do primeiro trimestre ontem divulgado. Baseia-se no descasamento entre procura e oferta na economia. Passando isso em números, trata-se do consumo crescendo a 8% ao ano enquanto o PIB marcha a 4,8%. 'Essa alta na demanda não é chinesa, mas é indiana', advertiu ontem o diretor de Política Monetária do Banco Central, Mário Mesquita. As importações têm ajudado a compor a oferta. Crescem a 50% ao ano, mas também não estão dando conta de reequilibrar oferta e procura. E de onde vem a força do consumo no país campeão dos juros altos? Vem do aumento da renda da população (de 4,5% em fevereiro em relação a fevereiro de 2007); da estirada das despesas públicas (que o Banco Central reconhece, mas ao que parece, por razões políticas, não enfatiza); e do avanço do crédito (de 27,9% em 12 meses), mesmo com o aumento dos custos de financiamento. O salto da renda interna tem três explicações: aumento do emprego ao ritmo de 3,6% ao ano em fevereiro, como confirmado ontem pelo IBGE; reajuste mais generoso do salário mínimo que, neste ano, foi de 9,2%, enquanto a inflação em 2007 foi de 4,5%; e queda do dólar em relação ao real que, em macroeconomia, equivale a aumento do salário real. Na semana passada, o ministro Guido Mantega advertia que o consumo está exagerado e defendeu restrições ao crédito, 'para evitar que o Banco Central aumente os juros'. Depois, voltou atrás na sua proposta de correção, aparentemente porque sacrificaria demais o setor de veículos e o de aparelhos domésticos. Ontem, o Banco Central veio com o mesmo diagnóstico, mas avisou que o combate à inflação de demanda se faz com alta dos juros e não com controles artificiais do crédito. Entenda-se que, dentro do governo, foi rejeitada a proposta do ministro. O recado do Relatório de Inflação é o de que o Banco Central vai tratar de desentortar o pepino enquanto ainda pequenino para não ter de lidar com 'a desgraçada' já crescida, quando tudo fica mais difícil.
Relatório de Inflação é um dos instrumentos pelos quais, no sistema de metas de inflação, um banco central fala com a sociedade para orquestrar as expectativas dos fazedores de preço. É um documento que analisa todos os aspectos da economia relacionados com a inflação. O de ontem tem 170 páginas. Correção |