O Estado de S. Paulo |
25/3/2008 |
Em quase todas as matérias que dizem respeito à política monetária, o Banco Central (BC) é de uma coerência atroz. Pode-se discordar do tamanho dos juros e até não gostar do sistema de metas de inflação, mas não se pode dizer que o BC tenha alimentado uma política ambígua. No caso do crédito, no entanto, o BC prefere deixar as águas rolarem. De um lado, denuncia o que entende como perigosa trajetória do consumo do qual o setor produtivo não vem dando conta. Ou seja, o BC está sempre pronto a identificar o risco de uma inflação de demanda a combater. Reconhece que, além da expansão das despesas públicas (fator fiscal) e da expansão do salário (fator renda), um dos principais fatores que determinam esse descompasso que entende como indesejável é a forte expansão do crédito (fator monetário), hoje de 28% ao ano. O BC não pode agir nem sobre a política fiscal nem sobre a renda. Mas pode agir sobre o crédito, que é parte da política monetária, cujo exercício é sua prerrogativa. Se, no seu diagnóstico, o crédito é o novo vilão, o BC teria de agir sobre ele. E, no entanto, não o faz. Por que não o faz? A única resposta dos dirigentes são avisos de que, se as coisas não mudarem, terão de puxar os juros. A percepção de que o avanço do crédito é prejudicial para a economia não é exclusiva do BC. Há dias, até mesmo seu crítico contumaz, o ex-presidente do BNDES Carlos Lessa, denunciava que a excessiva expansão do crédito deverá provocar uma onda de inadimplências e pôr em perigo a saúde do sistema bancário. Na semana passada, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, admitiu que está preocupado com outro aspecto da matéria: o dos prazos excessivamente longos de financiamento. Na compra de um automóvel zero, o consumidor consegue financiamento de até sete anos, o que derruba o valor da prestação mensal e aumenta a procura por veículos. As vendas nos dois primeiros meses do ano aumentaram 32,8% em relação ao mesmo período do ano anterior. Com algumas diferenças, o esticamento dos prazos ocorreu também nos outros tipos de financiamento para pessoas físicas. Entre as medidas que o governo chegou a admitir para corrigir o que considera distorção está a redução dos prazos dos financiamentos, que chegam a 84 meses, para algo perto dos 36 meses. Mantega sugeriu que a restrição vem para evitar que o BC tenha de aumentar os juros. Ontem, o ministro pareceu recuar e, outra vez, não ficou claro o que quer. Mas, se é para não baixar nenhuma medida regulatória sobre o crédito, uma das formas de convencer o mercado a reduzir os prazos de financiamento é mesmo criar a percepção de que a tendência dos juros voltou a ser de alta. Explicando melhor: quando a tendência dos juros é de queda, como era até há alguns meses, os bancos procuram prolongar os prazos de financiamento. Com isso, prolongam também por mais tempo a cobrança de juros ainda altos embutidos no financiamento. Quando a tendência se inverte, o melhor que terá de fazer o banqueiro é estreitar esses prazos. Mas isso não dispensa nem ação regulatória mais firme nem explicações do BC por suas omissões. Confira Galinha menos morta - Na semana passada, o JP Morgan anunciou a compra do que sobrou do banco de investimentos Bear Stearns pelo equivalente a US$ 2 por ação. Foi o preço de galinha morta. Ontem, pressionado pelos acionistas do Bear e por grave erro na redação do contrato, o Morgan aceitou, também rapidamente, pagar cinco vezes mais, ou US$ 10 por ação. Depois desse recuo ficou difícil não admitir que o fechamento apressado do negócio no fim de semana prejudicou fortemente os acionistas sob apadrinhamento do Fed. |