É possível que o governo da presidente Cristina Kirchner tenha conseguido por algum tempo abafar os panelaços diante da Casa Rosada e convencer os produtores agrícolas a desbloquear as estradas argentinas. Mas uma trégua não é solução, especialmente se prevalecer o atual arranjo artificial da política macroeconômica.
O governo argentino acaba de aumentar pela terceira vez em 14 meses o Imposto sobre Exportações (retenciones), que cumpre tanto a função de garantir arrecadação como a de segurar a inflação - para que o exportador venda no mercado interno a preços equivalentes aos das exportações assim taxadas.
Os aumentos sucessivos desse imposto mostram que sua função na economia está fraquejando. A arrecadação está sendo insuficiente para dar conta das despesas públicas, que crescem a 50% ao ano. E a inflação (real) desembestou para os 24%.
Por enquanto, o governo Kirchner tenta tapar as brechas do modelo adotado com mais taxação e mais controles. Essa armação parece em esgotamento.
A primeira lição passada pela crise é a de que arranjos assim, baseados em tabelamentos, controles, transferências de renda (que sacrificam alguns setores para beneficiar outros) e manipulação estatística, não têm como vingar a longo prazo. Os brasileiros viram esse filme nas décadas de 80 e 90 (até 1994) e sabem como termina. É como cocaína que provoca euforia inicial, mas desemboca no que se sabe. Não garante nem estabilidade nem crescimento sustentado. Seu principal efeito político é o desgate do governo.
É grande o contraste com o que se passa hoje no Brasil, que desde 1994, com algumas vacilações, vai trilhando o caminho da ortodoxia. O fortalecimento dos fundamentos da economia não garante apenas a tal blindagem contra crises externas. Também derruba a inflação e melhora o ambiente para os negócios. De quebra, reforça a popularidade do chefe do governo, como confirmam as avaliações da pesquisa CNI/Ibope.
Ameaçada pelo desabastecimento, pela baixa competitividade, pela falta de investimentos e pela retração da renda real, a política econômica argentina logo poderá não estar mais em condições de exibir crescimentos de 8% ao ano.
Ainda não parece claro para a sociedade argentina que é preciso mudança de rumo. Como a crise tende a se aprofundar, as pressões deverão aumentar.
Não há saída fácil. Um caminho conhecido seria a liberação do câmbio e o fim (ou forte redução) das retenciones. O câmbio flutuante derrubaria a cotação do dólar e isso ajudaria a segurar a inflação. O produtor agrícola talvez não seria prejudicado porque o que perderia com o dólar mais barato recuperaria com o fim da taxação das importações.
A questão crucial seria como garantir competitividade da indústria (hoje pouco onerada pelas retenciones), que não teria nem câmbio favorável nem escala do mercado interno de consumo. Não há solução pronta para isso.
Sem uma rígida disciplina das contas públicas, o novo sistema também não pararia em pé. Mas aí já estamos falando de uma política econômica de DNA ortodoxo de que os argentinos não querem ouvir.