sexta-feira, fevereiro 29, 2008

A Sociologia do Pessimismo dos motoristas de táxi

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Os motoristas de táxi são senhores absolutos num ramo do pensamento brasileiro: a Sociologia do Pessimismo. Em que consiste? Bem, sua característica mais evidente é a sentença finalista: “O Brasil não vai dar certo porque todo mundo é igual”. Eles são sempre bastante convincentes nos seus exemplos, tomados aleatoriamente, a esmo. O cara passa num buraco? “Isso tá uma buraqueira, e ninguém faz nada. Entra um, entra outro, sempre a mesma coisa. Este país não tem jeito!” O trânsito engarrafa? “Também, tão vendendo carro com prestação de R$ 299! Esse país não tem jeito. O cidadão deixa de comprar comida pra comprar carro. Ói só como fica. Este país não tem jeito!” O farol fecha? “Sabe o que eu não entendo? Esta rua é muito mais movimentada do que aquela [e aponta para o cruzamento], só que o farol lá fica aberto menos tempo. Este país não tem jeito!” Provavelmente, não é como ele percebe, mas, se está parado, e os “adversários”, andando, então inveja o outro só por não ser ele... Num táxi, é sempre tudo igual, “não tem jeito”.

Eles também são craques em teorias conspiratórias. Nunca é o que parece ser — tampouco é o que é. Ai de você caso se confesse jornalista e diga que Tancredo não foi assassinado!... Há sempre o filho da vizinha da tia da mulher dele que sabe até quem matou o homem. “E ninguém faz nada! Este país não tem jeito”. Um motorista de táxi sempre nos humilha com a informação bombástica de bastidor, a incredulidade e a certeza sobre o futuro. Ah, sim: e com uma visão um tanto aterradora do ser humano: “Ninguém presta! É todo mundo igual”. Uma pausa.

O bordel

Vocês se lembram, não?, tantas vezes já se disse: os petistas se queriam os desiguais entre iguais. Num ambiente em que todos seriam mais ou menos indecentes, o PT se oferecia para ser o São Jorge de bordel. Mas não um santo que ficasse quietinho, no canto, assistindo a tudo, não dizendo nada, como a capa de chuva da música Café da Manhã, de Roberto Carlos. Não! Este santinho era loquaz, feroz, moralista e, claro!, virgem! Aí o PT foi pego, como direi?, em decúbito ventral e não teve dúvida: “Tá bom. Eu não sou São Jorge, mas ninguém é. Todo mundo aqui faz a vida”. Os que estavam à volta mais ou menos assentiram: “É, é verdade, todo mundo aqui entra em decúbito, ora dorsal, ora ventral, ora de ladinho...”

Como um game de programa de TV, chegou a hora de chamar os universitários para estudar o caso, e os jornalistas para reportar. Os primeiros, todos mestres e doutores, disseram: “É verdade, todo mundo aqui é igual, mas como o PT tem origem operária, trata-se de um decúbito que faz avançar a democracia; os outros, não. Fazem essas coisas por vício mesmo; o PT, por necessidade”. E parte do jornalismo concordou.

Notável salto dialético aquele que se operava ali: justamente por fazer igual, o PT mostrava, então, a sua diferença. Era como se os outros optassem pelo decúbito por gosto, e o PT, por necessidade revolucionária. Uma intelectual petista chegou a escrever em jornal que o moralismo udenista e pequeno-burguês não aceitava que um partido operário pudesse roubar também. Corolário: o roubo de um partido operário, ainda que supostamente operário, era um auto de fé. E boa parte dos nossos analistas saiu dali para opinar. Não conseguiam dizer uma miserável palavra censurando os hábitos petistas sem atribuir o mesmo vício ao PSDB, ao DEM (PFL), ao conservadores do Império, a Tomé de Souza, sei lá eu...

Acadêmicos e jornalistas, em suma, começaram a conduzir o táxi. “Esse país não tem jeito. É todo mundo igual”.

Mas...
Ao se igualar o PT aos partidos que alguns bestalhões ainda chamam “tradicionais” — como se ele já não fosse, a seu modo, tradicional e beneficiário do statu quo —, em vez de estarem aplicando uma pecha no partido — “igual aos outros” —, estavam, isto sim, executando um movimento que lhe era duplamente favorável:
- se é igual, então roubar faz parte do jogo;
- se é igual, então as suas particularidades não têm nenhuma importância.

E é aí que mora o perigo. E é por isso que os motoristas de táxi, ao menos como categoria analítica, não servem para ler a política. Já temos um exemplo de transição de poder, não é? O PSDB foi apeado do poder pelas urnas. E cumpre fazer uma pergunta: qual é a sua real influência hoje na máquina do estado? Aparelhou a administração direta, as estatais, a ampla rede burocrática de serviços e regulação, os fundos de pensão? Nada! O que restou dos tucanos — e do ex-PFL, hoje DEM — no poder? Nada! Alguns poderão dizer que as opções de FHC estão ainda presentes na área mais sensível do país: a economia. É fato. Mas é tolice achar que o Banco Central, por exemplo, obedece a um comando partidário, tucano.

Como será em 2010 — ou 2011, para ser mais preciso? Se vence um candidato de Lula, mesmo que seja Ciro Gomes (vocês sabem fazer novena?; querem que eu ensine?), haverá uma mudança aqui ou ali, mas a ocupação do estado pelos petistas continuará intocada. Apesar de sua mímica cesarista, Ciro não mexeria com o bilionário aparelho sindical (estou pondo na conta os fundos de pensão) que hoje governa o país, sob o comando de seu líder máximo, Lula. Mas e se vence um oposicionista: José Serra ou Aécio Neves?

Longe ainda desse futuro, pode-se especular que talvez Aécio fosse mais conciliador; Serra menos. Por outro lado, no que respeita a um corte ideológico, talvez o político paulista estivesse mais perto da máquina petista do que o mineiro... E poderíamos escolher muitos critérios para chutar o que faria um ou outro. Tenho pra mim que a “despetização” do estado, mesmo com a vitória de um oposicionista, é tarefa das mais difíceis. Essa gente nos assombrará ainda por muito tempo, ditando a agenda. E o motivo é terrivelmente simples: o estado paralelo petista não é visto como um problema. Tampouco é percebido por boa parte da oposição como aquilo que é: o verdadeiro inimigo do país, que não pode ser banido da máquina por meio de eleições.

E isso não é igual a nada. Isso é diferente.