quinta-feira, fevereiro 28, 2008
Miriam Leitão Nas duas pontas
Um caminhão parado ontem de madrugada em São Paulo, vindo do Norte, levava madeira ilegal. Em São José do Rio Preto, a Polícia Ambiental encontrou uma madeireira com madeira sem documentação. No Pará, os caminhões e as balsas continuavam retirando a madeira apreendida em Tailândia. O cerco ao crime ambiental tem que ter duas pontas, mas, nos dois lados, o ilegal aparece misturado ao legal.
Tanto no caminhão quanto na madeireira, entre as madeiras sem origem, havia tábuas que pareciam ser de castanheira-do-pará, uma árvore cuja derrubada é proibida.
— Esta madrugada, a Polícia Ambiental de São Paulo fez o cerco em quatro rodovias que vêm do Norte. A carga é notória. O problema é que a maioria dos caminhões tem os documentos legais de origem da madeira. Pode estar havendo um processo de esquentamento de madeira — disse-me o secretário de Meio Ambiente de São Paulo, Francisco Graziano.
Ele estava ontem de manhã com a mão na massa.
Quando falei com ele, o secretário estava em São José do Rio Preto visitando as madeireiras. Na Capema, encontrou irregularidades: — A madeira estocada no pátio não tinha documentação — contou.
Falei com o dono da madeireira, Carlos Alberto Lemes de Pontes, que diz que o Ibama esteve na empresa há uma semana, a chamado dele: — Vieram aqui o Renato e o Carlos Egberto. Vieram porque eu chamei, pois eles deveriam ter posto meu estoque no sistema, e não puseram.
Falei com ambos. Carlos Egberto, chefe do Ibama na região, disse que a empresa tinha sido notificada, mas não se lembrava exatamente o motivo. Afirmou que tinha sido “bloqueada”, ou seja, não podia comercializar a madeira. Renato, subchefe, disse que parte da madeira estava com documento e parte sem; por isso ele foi notificado, mas garantiu que o estoque não estava bloqueado.
Num telefonema posterior, Egberto esclareceu: — Fomos lá a chamado do proprietário porque ele tinha cometido um erro no sistema e queria corrigir. Mas desconfiamos do estoque de madeira e notificamos para que ele mostre toda a documentação de venda de um ano. E ela foi bloqueada.
No Pará, o secretário de Meio Ambiente, Valmir Ortega, está animado com esta conexão com São Paulo e acha que apertar nas duas pontas é a forma de ter sucesso, mas também admite que há muita ilegalidade misturada na legalidade.
— O setor de madeira legal no Pará movimenta R$ 3 bilhões; mesmo assim, não se pode dizer que tudo é legal. Pode haver fraude nos planos de manejo. Há um percentual de ilegalidade na legalidade — assume.
Este caso, em que dos dois lados de um crime os governos de partidos diferentes fazem uma conexão e, ainda assim, a ilegalidade passa pelos dedos das autoridades, mostra que nada neste assunto é trivial.
— A governadora tem defendido que haja alternativas econômicas nos estados que combatem o desmatamento.
Do contrário, as ações não darão certo — diz Ortega.
No Pará, a operação estadual para cercar madeireiros começou antes da Arco de Fogo. Dos 30 carros que chegaram a Tailândia semana passada, 3 eram do Ibama, e 27 do estado.
— Só para retirar a madeira de lá estamos gastando R$ 1,8 milhão — contou Valmir Ortega.
Antes, os fiscais deixavam o criminoso, o dono da madeireira, como fiel depositário da madeira apreendida.
Agora ela está sendo retirada.
A vantagem é que, quando for vendida, pode-se apurar com só este primeiro carregamento de 20 mil metros cúbicos, algo como R$ 6 milhões a R$ 7 milhões que vão para um fundo de aparelhamento do combate ao desmatamento.
— É preciso parar a engrenagem que move o desmatamento.
Por isso os entendimentos com São Paulo são fundamentais. Lá é o maior centro consumidor do país — afirma Ortega.
O secretário Francisco Graziano disse que a operação em São Paulo começou em setembro e estão previstas várias etapas: — Fazemos cerco às rodovias, como nesta noite; estamos fazendo ações de fiscalização nas madeireiras. Já fomos a várias cidades. Estamos criando um cadastro das madeireiras. As cadastradas serão as únicas a fornecer para as obras públicas de São Paulo a partir do ano que vem. Depois, vamos fazer uma campanha que vá até o consumidor, na ponta final, incentivando o consumo do produto legalizado. Por fim, vamos incentivar também o uso dos novos materiais, aglomerados, e madeira de floresta plantada. Como os preços da madeira vão subir, a madeira plantada ficará mais competitiva.
Tailândia, no Pará, é só um pontinho num mar de desmatamento.
— Mas tem importância simbólica, pois virou um entroncamento para onde escoam madeiras ilegais de todo o Baixo Amazonas — comenta Valmir Ortega.
A Operação Arco de Fogo vai para outras cidades e estados.
É de longa duração.
Para dar certo, precisa desta conexão entre estados onde se desmata com aqueles onde se consome a madeira ilegal. Mas é preciso saber se o legal é mesmo legal.
— Estatísticas de madeira ilegal que vem para São Paulo do Imazon e do Greenpeace não batem com o que a política ambiental encontra na fiscalização. A maioria dos caminhões tem documento legal. Alguma coisa está errada — diz Graziano.