terça-feira, fevereiro 26, 2008

Dora Kramer - Fazer acontecer




O Estado de S. Paulo
26/2/2008

A agenda de eventos comemorativos ao envio da proposta de reforma tributária ao Congresso é alentada. Ontem houve reunião do presidente Luiz Inácio da Silva com os sindicatos e apresentação de insinuado simbolismo ao governador de Minas Gerais, Aécio Neves.

Hoje está marcado encontro do ministro da Fazenda com a oposição, amanhã Lula tratará do assunto com empresários, quinta-feira a badalação fica por conta da entrega oficial da proposta ao Congresso e, na sexta-feira, a indefectível reunião de governadores.

A cada acontecimento, evidentemente corresponderá um discurso do presidente. A sistemática é sempre a mesma: solenidades, declarações, profissões de fé em prol do “diálogo com a sociedade” e inclusão do projeto no rol de realizações do governo, de modo a constar no balanço de fim de ano e integrar o programa do horário eleitoral.

Não se trata de duvidar das intenções do governo em ver de fato a reforma tributária, senão completa, pelo menos começar a ser feita. A questão é que de boas intenções o “book” eleitoral do Palácio do Planalto está repleto sem que nelas se possa enxergar substância.

Para não falar do PAC, cujo julgamento ainda demanda tempo para a concretização do prometido, fiquemos com dois exemplos em que houve barulho não correspondente ao resultado: a reforma da Previdência, até hoje em aberto, e as Parcerias Público-Privadas, que seriam a salvação da lavoura do desenvolvimento e simplesmente não aconteceram.

Não se pode, por antecipação, afirmar que o buraco negro será também o destino da reforma tributária. Não há elementos de prova para isso. É possível, porém, com base no histórico, no “modus operandi” e na hesitação de ministros e líderes políticos da situação, desconfiar da capacidade e da vontade do governo de fazê-la acontecer.

O roteiro de festejos por ora corrobora a já comprovada competência oficial no tocante à propaganda. A operação propriamente dita, ao encargo do presidente Lula, começou com o apelo à Câmara e ao Senado “para que votem porque o País depende dessas votações” e envereda por reuniões com “setores da sociedade” organizados para que o chefe da Nação se faça ouvir e encantar.

Ministros e líderes no Congresso pedem apoio dos parlamentares em público, mas, no particular, dizem claramente que o compromisso do governo reside apenas em mandar a proposta de reforma. A aprovação, afirmam, é com os parlamentares.

Naquele seu jeito de dizer o que pensa sem dizer exatamente o que lhe passa na cabeça, o governador Aécio Neves foi ao ponto: “Só quando há vontade política forte há condições para uma reforma desse porte se concretizar.” Aparentemente, uma frase de efeito, um elogio ao lugar comum.

Mas é isso mesmo. Quem tem a força para fazer do empenho algo concreto, para administrar as demandas, organizar os conflitos e arbitrar, é o governo. Dizer que “cabe ao Congresso” votar e aos governadores se entenderem é o mesmo que defender a reforma política e deixar aos políticos a tarefa de fazer acontecer.

Uma maneira de se desincumbir de uma missão, parecendo que cumpriu a promessa e que os outros é que não deram conta de tirá-la do papel. Assim é mais confortável, mais fácil, mas não é verdadeiro.

Se pretender mostrar que o governo está falando sério, o presidente Lula terá de fazer mais que discursos e patrocinar diálogos que, na realidade, são monólogos de auto-afirmação promocional.

Precisará se empenhar num debate sério, árduo, que na Constituinte de 1988, por exemplo, levou um ano e meio para se transformar em algo concreto e, ainda assim, imperfeito.

Precisará empregar tempo, negociar, pesar e medir conveniências sem perder o foco das conseqüências, elevar o padrão da conversa dentro de sua base de alianças e levar em conta com seriedade a oposição, cumprindo o pressuposto básico de saber aonde quer chegar e escolher os caminhos certos para atingir seus objetivos.

Na base do fisiologismo e na lógica do palanque, o governo não cumprirá seu papel de indutor de um projeto dessa natureza. Lula não perderá um ponto porcentual de popularidade, mas deixará passar a chance de fazer algo acontecer com sua marca de autoria original.

Força política para isso Lula tem de sobra. O que lhe falta é paciência, disciplina, clareza nas metas e, por que não dizer, coragem para desagradar a parceiros e contrariar interesses de gente e setores que possam lhe ser política e eleitoralmente úteis.

Referência perdida

Enquanto houver governos amigos dispostos a sustentar o regime, a perspectiva de mudança em Cuba é quase nula.

Quase, porque, mesmo lentamente, a evolução é inexorável. Cuba entra na agenda do debate mundial e agora na ausência de um fator essencial para a sustentação da ditadura: o compromisso com o mito por parte de celebridades internacionais - brasileiras incluídas - psicologicamente dependentes de heróis e utopias.