domingo, janeiro 27, 2008

O uso político das elétricas

Suely Caldas


Enquanto os brasileiros convivem com o risco de apagão elétrico e o governo banca o avestruz, negando o problema em vez de promover ações para evitá-lo, o PMDB e o PT tratam de ratear cargos e poder nas estatais do setor elétrico de olho no orçamento de quase R$ 30 bilhões dessas empresas. O critério técnico de qualificação, mérito e competência é o que menos conta na indicação do escolhido (entre eles há até um diretor do Detran do Pará denunciado por corrupção). O que importa é ter na presidência da Eletrosul alguém a serviço dos interesses da senadora Ideli Salvatti (PT-SC) e de seu partido; na Eletrobrás, um leal prestador de favores ao PMDB e ao senador José Sarney (AP); na Eletronorte, um fiel cumpridor de ordens do deputado Jader Barbalho (PMDB-PA). Fora outros cargos de diretores, superintendentes, gerentes, um sistema de loteamento político que impõe ao funcionário de carreira duas opções: deixar-se amestrar e virar capacho do partido que o indicou ou resistir e ser congelado em alguma função subalterna, por mais competente que seja.

É este método de gestão política servil que faz das estatais elétricas empresas atrofiadas, condenadas à estagnação, falidas, mergulhadas em dívidas, sem perspectivas de crescer e prosperar. Quer ver? A maior delas, a Eletrobrás, com patrimônio líquido equivalente a R$ 78,7 bilhões, tem valor de mercado calculado em R$ 30,6 bilhões, enquanto a Vale do Rio Doce, com patrimônio menor, de R$ 57,7 bilhões, é avaliada em R$ 200,8 bilhões, quase 7 vezes mais. Se a comparação é com outra empresa elétrica, a Companhia Paulista de Força e Luz (CPFL), o resultado é também inacreditável: para um patrimônio líquido de R$ 5,3 bilhões, portanto 15 vezes menor, a CPFL é avaliada em R$ 14,3 bilhões, quase metade da gigante Eletrobrás. Mesmo privilegiada com 90% do mercado de geração, a Eletrobrás registrou prejuízo de R$ 91 milhões até setembro de 2007 (último balanço divulgado) e há anos tenta sem sucesso cumprir as exigências técnicas para ter ações negociadas na Bolsa de Nova York.

No Brasil privatizar o setor elétrico deixou de ser questão ideológica, virou o único meio de proteger a sociedade e os contribuintes contra o loteamento partidário, gestões ruinosas, riscos de racionamento, paralisação dos investimentos. Felizmente, depois de quatro anos de cegueira ideológica, o governo Lula caiu na real e decidiu abrir novos projetos de geração para investidores privados. Perdeu tempo e investimentos que hoje estariam ajudando a superar a crise de suprimento.

O segmento de distribuição (antes nas mãos de governadores) foi em boa parte privatizado no governo FHC. Eram essas empresas que davam a partida para a ciranda do calote. Na época, anos 80/90, a Cesp não pagava a energia recebida de Furnas, que não pagava a Hidrelétrica de Itaipu. E assim se repetia com todas. O caos deixou de existir nas privatizadas, mas restaram cinco - Ceron (Rondônia), Eletroacre (Acre), Ceal (Alagoas), Cepisa (Piauí) e Ceam (Amazonas) - hoje federalizadas e entregues à gestão da Eletrobrás. Este é um dos inúmeros pepinos que impedem a Eletrobrás de ter seus papéis negociados em Nova York.

Cabides de emprego e de interesses de governadores, prefeitos e deputados nesses Estados, as cinco empresas somaram um megaprejuízo de R$ 447,6 bilhões entre janeiro e setembro de 2007. O caso pior é o da amazonense - seu resultado negativo dobrou de R$ 189,9 milhões, entre janeiro e setembro de 2006, para R$ 367,7 milhões, no mesmo período de 2007. A situação financeira delas se agrava ano a ano, o contribuinte brasileiro paga a conta sem saber, porque nunca lhe é esclarecido, e não há nenhuma esperança de solução, porque o governo federal se nega a privatizá-las, pressionado pelas elites políticas locais.

Como a elite usa essas empresas? Emprega apadrinhados, perdoa dívidas de fornecimento de energia de prefeitos e grandes usuários, em troca de apoio político e doações para campanha eleitoral. Em vez de vendê-las e estancar a sangria, o governo federal determina à Eletrobrás que administre os interesses dos políticos, absorva os prejuízos das empresas e mande a conta para a população pagar.

Pior é o escabroso caso da CEA, do Amapá, estadual que se encontra em estado pré-falimentar. A diretoria da Aneel recomendou ao Ministério de Minas e Energia que decrete a caducidade da concessão da CEA e faça licitação para escolher outro concessionário. E o que aconteceu? Absolutamente nada. Senador pelo Amapá, José Sarney escolhe o presidente da Eletrobrás e pronto. Garante a CEA.

*Suely Caldas é jornalista e professora de Comunicação da PUC-RJ. E-mail: sucaldas@terra.com.br