O GLOBO
Há um detalhe curioso nessa batalha que o ministro do Trabalho e presidente do PDT, Carlos Lupi, vem travando com a Comissão de Ética Pública para tentar permanecer à frente dos dois cargos, situação considerada antiética pela comissão, que sugeriu, diante da intransigência do ministro, que o presidente Lula o demita.
Baseado num parecer do advogado-geral da União, José Antonio Dias Toffoli, que não vê ilegalidade na acumulação das funções, Lupi se mantém firme na decisão de não abrir mão de nenhum dos dois cargos.
Acontece que, dentro da própria AGU, há pareceres diferentes sobre o caso, sendo que o do consultor-geral da União substituto, João Francisco Aguiar Drumond, é a favor da posição da Comissão de Ética.
O processo dentro da Advocacia Geral da União tem a resposta para as dúvidas que ainda existam nesse debate que interessa a todos que estão preocupados com a postura ética de nossos dirigentes.
Diante do primeiro pronunciamento da Comissão de Ética Pública, Lupi recorreu à AGU e, em 8 de novembro do ano passado, obteve um parecer de Galba Veloso, consultor da União, que considerava que não havia nenhuma ilegalidade na conduta do ministro do Trabalho.
O advogado-geral opinava pela incapacidade de a Comissão de Ética intervir em uma escolha feita pelo presidente da República, já que a comissão é um órgão apenas consultivo da Presidência, e o Código de Conduta do funcionalismo público não vedaria a atuação partidária “não-remunerada”.
A Comissão de Ética insistiu na posição de que, embora não houvesse ilegalidade, a acumulação feria o Artigo 3odo Código de Conduta da Alta Administração Federal, que considera conflito de interesse o exercício simultâneo do cargo público com o de direção de partido político.
A comissão listou ainda os cargos que estariam vedados às autoridades, entre eles o de presidente e de secretáriogeral, cargos de caráter executivo.
É bom ressaltar que, por enquanto, os precedentes neste governo são de cumprimento das recomendações da Comissão de Ética Pública, sendo que o assessor para assuntos internacionais, Marco Aurélio Garcia, afastou-se do cargo quando foi chamado para substituir Ricardo Berzoini na presidência do PT, e Alfredo Nascimento, presidente de honra do PR, passou o cargo ao governador do Mato Grosso, Blairo Maggi, para poder continuar ministro.
Na ocasião do recurso da Comissão de Ética, o consultorgeral da União substituto, João Francisco Aguiar Drumond, foi muito claro no seu parecer. Depois de dizer que estava a par do parecer do consultor-geral e da defesa do ministro do Trabalho, informava que não havia por parte da Comissão de Ética Pública nenhuma exorbitância de função, já que “a aferição das situações, hipóteses e condutas capazes de configurar conflitos de interesse ou violação dos padrões éticos que se esperam da Alta Administração Pública Federal, além da proposta visando aperfeiçoá-los, incumbe à Comissão de Ética Pública, e não a esta Advocacia Geral da União, competente para o exame técnicojurídico da constitucionalidade e da legalidade”.
Mais uma vez, o ministro do Trabalho recorreu à AGU e finalmente conseguiu que o próprio advogado-geral, José Antonio Dias Toffoli, desse um parecer que, “sem adentrar no campo deontológico”, afirmava que “do ponto de vista jurídico” não havia ilegalidade na acumulação.
Mesmo assim, Toffoli pedia apenas que a Comissão de Ética suspendesse o processo até que um parecer definitivo fosse dado.
A Comissão de Ética decidiu, então, sugerir ao presidente, conforme está previsto em suas atribuições, que demita o ministro do Trabalho, pois a questão é deontológica, e não legal.
Trata-se de um servidor público se enquadrar no conjunto de deveres (deontologia) expresso pelo Código de Ética profissional do servidor público federal, ao qual ele está submetido automaticamente.
Uma das alegações do ministro Lupi é que no governo anterior o secretário-geral do PSDB, Sérgio Motta, foi ministro das Comunicações.
Além do fato de que um erro não justifica outro, embora já estivesse em vigor o Código de Conduta, não havia sido criada ainda a Comissão de Ética.
Sérgio Motta morreu em abril de 1998, e a comissão foi instituída mais de um ano depois, em maio de 1999. Como todo processo, sua criação foi um passo a mais na regulamentação das exigências éticas aos funcionários públicos, exatamente para esclarecer dúvidas como essa que agora surge. E o próprio Carlos Lupi se encarrega de, na prática, mostrar que a acumulação dos cargos não é conveniente.
Na primeira entrevista que deu ao assumir o Ministério do Trabalho, ele anunciou que o comando do aparelho trabalhista mudaria, saindo a CUT, historicamente ligada ao PT, para entrar a Força Sindical.
Recentemente, ao ser confrontado com uma reportagem do GLOBO mostrando que ele estava aparelhando as delegacias regionais do Trabalho com integrantes do PDT, o ministro mais uma vez se defendeu afirmando que essa não era “uma prática nova”.
A mesma alegação, por sinal, usada pelo próprio presidente Lula para tentar justificar o mensalão. Naquela ocasião, ele minimizou o episódio, taxando-o de caixa dois eleitoral, que seria uma prática corriqueira entre os partidos políticos brasileiros.
Além de o mensalão não ser um simples caixa dois, mas um esquema criminoso montado a partir do Palácio do Planalto para compra de votos no Congresso, como já definido pelo Supremo Tribunal Federal, o presidente Lula deu um péssimo exemplo de ética flexível.
Agora, está diante de um dilema: ou fortalece a Comissão de Ética Pública ou a desmoraliza, dando um passo atrás no aperfeiçoamento das práticas políticas no país.