O Globo |
29/1/2008 |
A crise financeira que, a partir dos Estados Unidos, atinge as economias mundiais, está colocando em papel de destaque os países emergentes, não apenas de maneira concreta, com os investimentos diretos dos chamados "fundos soberanos" de países asiáticos, como também politicamente, já que o "descolamento" dos emergentes é a melhor aposta para que a crise não se transforme em uma recessão a nível mundial. Essa promoção de posição no contexto econômico internacional traz também, por outro lado, um profundo incômodo de certos setores, que temem que atrás do crescente poder financeiro venha uma também crescente ambição política. Esses novos participantes do jogo internacional, especialmente China e Índia, terão que atuar ao lado do que alguns chamaram em Davos, durante o Fórum Econômico Mundial, que se encerrou no domingo, de "velha guarda", como Estados Unidos, União Européia e Japão. Lloyd C. Blankfein, presidente e principal executivo da Goldman Sachs nos Estados Unidos, ressaltou em um dos painéis que essa mudança de poder vem sendo feita já há algum tempo, mas que somente agora ficou evidente, com a entrada de fundos soberanos de países emergentes em empresas com ações em Wall Street, referência à injeção de dinheiro de fundos de governos asiáticos no Citibank. Ele citou o estudo de sua empresa, que projeta que em 2025 as economias dos BRIC - Brasil, Rússia, Índia, e China - vão ser responsáveis por mais da metade do G-6. Essa mudança deve ser acompanhada de reivindicações por maior representatividade nos organismos internacionais, que devem ser consideradas naturais. Em outro momento do fórum, o primeiro-ministro francês, François Fillon, foi bastante claro na defesa da reorganização de organizações multilaterais como o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional, para reforçar a influência dos países em desenvolvimento. Ele anunciou que a posição oficial do governo francês é transformar o G-8 em G-13, com a inclusão de China, Brasil, Índia, México e África do Sul. E também defendeu que o Conselho de Segurança da ONU inclua como membros permanentes a Alemanha, o Japão, Brasil, Índia e "uma representação justa" da África. A nova geopolítica mundial foi analisada também do ponto de vista da segurança internacional, sendo claro para vários palestrantes que a necessidade de encontrar lugar de importância para pelo menos China e Índia nos fóruns internacionais que decidem é fundamental para garantir a estabilidade do mundo nesse século de mudanças. George Yeo Yong-Boon, ministro das Relações Exteriores de Singapura, opinou em um seminário que a relação China-Estados Unidos será a mais delicada e importante, mas o que será decisivo para a paz na região asiática será como Índia e China conseguirão equilibrar seu relacionamento. Para o ex-secretário de Estado dos Estados Unidos Henry Kissinger, a quebra do modelo tradicional de soberania do Estado em várias partes do mundo contribuiu para mudanças sem precedentes na História, mudanças que foram ampliadas pelo fato de que, nesses países, as estruturas políticas ficam defasadas diante do desenvolvimento econômico. O que Kissinger chamou de "quebra do modelo tradicional de soberania" tem a ver claramente com o crescente poder dos fundos soberanos - reservas financeiras controladas por governos que geram divisas com exportações de commodities. Esses investimentos têm tido papel fundamental na economia globalizada, e encontram muitas resistências, especialmente das empresas privadas, à medida que se tornam participantes destacados do mercado financeiro internacional. É uma situação paradoxal, pois ao mesmo tempo que resistem ao crescente papel desses fundos soberanos, os países e as empresas precisam deles, pois representam "capitais estáveis e de longo prazo", que reduziram a volatilidade dos mercados. Existe até mesmo a previsão de que, se os governos não fizerem legislações especiais para restringir a ação desses fundos, o crescimento do volume de seus investimentos será ainda maior. Richard S. Fuld Jr, presidente e CEO do Lehman Brothers, previu que os investimentos soberanos podem atingir a marca de US$15 trilhões nos próximos cinco anos, aumentando o papel desses investidores, podendo criar uma oposição política nos países que recebem os recursos dos fundos, especialmente nos EUA, onde este ano já houve muita discussão sobre o investimento de fundos soberanos de governos asiáticos no Citibank - relembrando o protesto de dois anos atrás contra a aquisição das operações portuárias dos EUA por investidores de Dubai. O ex-secretário do Tesouro americano Lawrence H. Summers, hoje professor da Universidade Harvard nos EUA, embora tivesse afirmado que não há motivos para preocupação, salientou que a possibilidade dos fundos soberanos se envolverem em mercados de câmbio "provavelmente não contribuiria para o sucesso dos relacionamentos entre as nações." E defendeu um "código de conduta" voluntário, que estabeleça claramente a sua vontade de evitar abusos na especulação e em manter a política fora das decisões de investimento. Robert M. Kimmit, subsecretário do Tesouro dos EUA, numa demonstração clara da importância que o governo dos Estados Unidos dá ao papel desses fundos soberanos para a estabilização da economia, defendeu sua atuação, e disse que a contrapartida a um código de conduta seria os países que recebem investimentos deixarem claro que não vão bloquear investimentos de fontes estrangeiras, inclusive os fundos soberanos, por motivos políticos. |