editorial |
O Estado de S. Paulo |
4/1/2008 |
Quanto vale hoje a palavra do presidente Luiz Inácio Lula da Silva? Deveria ainda ter algum valor, quando a oposição aceitou, no mês passado, sua promessa de não elevar tributos para compensar o fim da CPMF, a Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira. Em troca, a oposição apoiaria a renovação da DRU, a Desvinculação de Receitas da União. Pois o presidente conseguiu baixar ainda mais sua credibilidade, ao assinar, no primeiro dia útil do ano, dois atos de majoração tributária. Mas o triste exercício de autodesmoralização não terminou aí. Nesse quesito, esse governo não se contenta com pouco. Ao anunciar as novidades, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, conseguiu agravar com o deboche o rompimento do compromisso. “O compromisso do presidente Lula era não promover alta de impostos em 2007. E de fato não o fez. Estamos fazendo em 2008, o que está dentro do programado”, disse o ministro. Com essa declaração, mostrou-se à altura de seu companheiro Marco Aurélio Garcia, o assessor presidencial flagrado ao festejar com gestos obscenos uma notícia sobre o acidente da TAM. O primeiro item do pacote - palavra detestada pelo presidente Lula, segundo ele mesmo declarou - é um aumento de 0,38 ponto porcentual em todas as alíquotas do IOF, o Imposto sobre Operações Financeiras, incidente nos contratos de crédito e nas transações cambiais. Esse aumento atingirá qualquer consumidor, rico ou pobre, em suas compras financiadas, sejam de carros de luxo ou televisores ultramodernos, sejam de rádios de pilha ou liquidificadores para equipar um barraco de favela. Tornará mais difícil, também, a atividade das empresas exportadoras. O segundo item é o aumento de 9% para 15% da alíquota da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) paga pelas empresas do setor financeiro. Essa inovação, segundo o governo, entrará em vigor em 90 dias e, além disso, dependerá de aprovação pelo Congresso, pois foi editada como medida provisória (MP). Um de seus efeitos será a ampliação do spread bancário, a diferença entre os juros pagos na captação e aqueles cobrados nos empréstimos. Mas a aplicação do aumento da CSLL poderá ser mais difícil do que afirmam as fontes do governo. Nesse caso, a regra aplicável é a da anualidade, segundo o jurista Ives Gandra da Silva Martins. Se essa norma for observada, a cobrança da nova alíquota só começará em 2009. A CSLL, instituída em dezembro de 1988, só foi recolhida a partir de 1990, pois em 1989 incidiria sobre o lucro líquido já consolidado de 1988. Segundo o jurista, ele mesmo defendeu essa tese diante do Supremo Tribunal Federal (STF) e foi vitorioso por 8 votos a 0. Está dada a pista para a contestação judicial de parte do pacote. Essas duas inovações, se implementadas, deverão render o total de R$ 10 bilhões ao Tesouro, segundo o governo. Ficariam faltando, portanto, mais uns R$ 30 bilhões para compensar a perda da CPMF - o que dependeria do corte de gastos. Nesse item, o pacote é extremamente vago. O assunto, segundo os ministros, será discutido com os congressistas e um novo projeto de orçamento será apresentado em fevereiro. Mesmo sem a última quebra de palavra seria difícil acreditar nesse propósito. Além disso, o presidente apressou-se, no fim de dezembro, a tomar medidas legais para ampliar em 2008 certos gastos com alto potencial de retorno político para o governo e seus aliados. Por ato assinado em 27 dezembro, o governo adiou por seis meses - para julho - o início da vigência de um decreto destinado a disciplinar e a restringir repasses federais a Estados, municípios e ONGs. No dia 28, o presidente, por meio de MP, estendeu os benefícios do Bolsa-Família a jovens de 16 e 17 anos. Pela regra anterior, eram beneficiadas famílias com filhos de até 15 anos. Coincidentemente, aos 16 anos o brasileiro já pode votar. Faltava, enfim, substituir a CPMF como instrumento de combate à sonegação. Para isso, o governo aproveitou a Lei Complementar 105, de 2001, e obrigou os bancos a entregar ao Fisco as operações de pessoas físicas com movimentação semestral de pelo menos R$ 5 mil e de pessoas jurídicas com transações de R$ 10 mil para cima. Trata-se de uma devassa injustificável e o Judiciário deverá reprimi-la, avisou o ministro Marco Aurélio Mello, do STF. |