Editorial |
O Estado de S. Paulo |
25/1/2008 |
A primeira greve do funcionalismo federal, em 2008, está sendo promovida por uma das mais bem remuneradas corporações do Executivo, a dos advogados públicos. Integrada pelos procuradores da Fazenda, procuradores do Banco Central, procuradores de autarquias, advogados da União e defensores públicos, a categoria pleiteia reajustes de 13% a 30% até 2009 e alega que o governo já havia se comprometido a aceitar essa reivindicação em acordo feito em 2007. O ministro Paulo Bernardo confirma o acordo, mas, com a extinção da CPMF, a equipe econômica decidiu adiar os reajustes. A categoria dos advogados públicos é integrada por 11 mil profissionais, com salários iniciais que variam de R$ 10 mil a R$ 12,9 mil - quase sete vezes mais que a média salarial do Executivo. Com o aumento pleiteado, os vencimentos dos advogados públicos em início de carreira ficariam entre R$ 14 mil e R$ 19 mil, valores muito superiores à média paga pelos escritórios particulares. Segundo pesquisa realizada pela Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas entre empresas de advocacia em São Paulo, que acaba de ser divulgada pela Revista Direito GV, 43% dos advogados que nelas trabalham recebem até R$ 4 mil e apenas 5% ganham entre R$ 10 mil e R$ 12 mil mensais. Evidentemente, os advogados públicos têm o direito de reivindicar reajustes salariais, apesar de estarem entre as categorias mais bem remuneradas do serviço público. O problema é que, ao cruzar os braços para pressionar o governo, eles deixam desguarnecida a defesa judicial dos órgãos do Estado e prejudicam os interesses da sociedade. Além dos julgamentos que têm de ser adiados, a perda de prazos pode acarretar vultosos prejuízos ao patrimônio público. No caso dos defensores públicos, que atendem a população de baixa renda, a greve da corporação impede o acesso à Justiça de cidadãos que não têm dinheiro para contratar advogados particulares. E o acesso aos tribunais é um direito fundamental previsto pelo artigo 5º da Constituição, que está sendo desrespeitado pelos advogados públicos. Esse foi um dos argumentos que a Advocacia-Geral da União invocou ao classificar como “abusiva” a paralisia dos advogados públicos. Na ação que impetrou na última sexta-feira, pedindo a declaração de ilegalidade da greve, e que foi acolhida pela juíza da 16ª Vara Federal de Brasília, a Procuradoria Regional da União alegou que a advocacia pública é definida pela Constituição como uma “função essencial à Justiça”. Por isso, os advogados públicos não poderiam cruzar os braços, colocando interesses corporativos à frente dos interesses da sociedade. Essa greve serve para realçar, mais uma vez, a necessidade urgente de uma lei que regulamente a paralisia no setor público. Não é demais repetir que a greve do funcionalismo está prevista pela Constituição de 88, mas há quase duas décadas esse dispositivo aguarda regulamentação pelo Congresso, que teme as reações corporativas do funcionalismo. No governo Fernando Henrique, uma minuta de projeto foi engavetada porque faltaria apoio parlamentar para aprová-la. Em 2007, o governo Lula, em vez de enviar seu projeto ao Congresso, aceitou “discuti-lo” com as centrais sindicais e desistiu da iniciativa. A omissão tanto do Executivo quanto do Legislativo levou o STF, há quatro meses, a mandar aplicar às greves do funcionalismo a lei que disciplina a greve na iniciativa privada. Apesar disso, alguns juízes de primeira instância continuaram concedendo liminares que obrigam o pagamento integral dos grevistas. Com a declaração da ilegalidade da greve, o governo ganhou o primeiro embate com os advogados públicos. Mas a disputa não acabou. Não foi por acaso que o presidente da República aproveitou a reunião ministerial de quarta-feira para pedir à sua equipe que pare de fazer promessas de aumento salarial ao funcionalismo e, depois, mandar o Ministério do Planejamento negociar com os servidores. Lula sabe que outras categorias do funcionalismo só aguardam o desfecho da greve dos advogados para decidir se também cruzarão os braços. |