sábado, janeiro 26, 2008

Francês dá desfalque de 7 bilhões de dólares

Um rombo bilionário

Francês dá o maior golpe financeiro da
história – e pode não ter embolsado nada com isso


Julia Duailibi

Sede do Société Générale, em Paris: desfalque de 7 bilhões de dólares no meio da crise financeira
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Quadro: Golpes históricos

Era tudo de que os mercados globais não precisavam. Na mesma semana em que as bolsas de valores eram chacoalhadas pela mais severa turbulência desde 11 de setembro de 2001, o mundo conheceu a história do maior golpe financeiro de que se tem notícia. O Société Générale, o segundo maior banco francês e uma das instituições financeiras mais tradicionais da Europa – ele existe desde 1864 –, revelou que sofreu uma fraude de 7 bilhões de dólares. A gatunagem, cometida por um de seus funcionários, supera em muito as perdas de 3 bilhões de dólares que o banco amargou no mercado americano de hipotecas de alto risco. O caso do Société serviu também para escancarar as deficiências dos mecanismos de controle contra fraudes dos bancos, abalando ainda mais a imagem das instituições financeiras. O mais curioso é que o autor do golpe pode não ter embolsado nenhum tostão com o esquema.

O mentor do desfalque recorde chama-se Jérôme Kerviel, um jovem de 31 anos, operador do mercado futuro de ações, que ganhava cerca de 100 000 euros por ano – já incluídos bônus e comissões. Longe de ser uma das estrelas promissoras do banco, Kerviel era um operador júnior, que se formou em uma universidade francesa de segunda linha. Em 2000, ele começou a trabalhar no back office, setor que dá auxílio técnico e tecnológico aos negócios da linha de frente. No geral, são as operações de informática e compensação dos bancos. Foi ali que ele conheceu o funcionamento dos mecanismos de controle de fraudes do Société. Kerviel carregou esse, digamos, know-how para a mesa de operações do banco, o chamado front office, o qual passou a integrar em 2006. Foi nessa nova função que o francês colocou em prática um esquema de transações fictícias que alavancaram o golpe. O mecanismo criado por Kerviel mascarava apostas arriscadas e anormais feitas no mercado futuro, deixando registradas apenas operações de fachada, que não chamavam a atenção do sistema nem de seus superiores. Assim, encobria eventuais perdas. O esquema só levantou a suspeita do sistema de controle de riscos no último dia 18 à noite, uma sexta-feira, muito provavelmente porque Kerviel teria se esquecido de encobrir uma das operações. O enfant terrible havia sido pego.

Ao contrário do que se pode pensar, é quase certo que o francês não tenha ficado com nadinha dos 7 bilhões desviados. A hipótese mais provável, segundo os executivos do banco, é que ele tenha armado o esquema apenas para inflar os resultados de suas operações e, assim, engordar o bônus anual distribuído a cada funcionário pelo desempenho alcançado. O golpista havia apostado na alta das ações. Com a virada do mercado nas últimas semanas, suas posições começaram a perder cada vez mais dinheiro. No fim, o banco ficou com o mico e teve de assumir o prejuízo de 7 bilhões de dólares. O rapaz permanecia desaparecido até a sexta-feira 25, mas sua advogada já afirmou que ele se apresentará à Justiça assim que for intimado.

Em reunião no Fórum Econômico Mundial, em Davos, o presidente do banco de investimentos americano Lehman Brothers, Richard Fuld, resumiu o episódio como o "maior pesadelo" que um banco está sujeito a enfrentar. Fuld admitiu, tacitamente, que ninguém é imune a esse tipo de fraude. A história recente comprova isso. O caso de maior notoriedade até então havia sido do operador Nick Leeson, que em 1995 quebrou o Barings Bank, tradicional casa bancária inglesa com mais de dois séculos de vida, ao fazer apostas equivocadas no mercado futuro que causaram perdas de 1,3 bilhão de dólares. Leeson perdeu a bolada e amargou quatro anos de prisão. Mas aproveitou a celebridade para, é claro, escrever um livro narrando suas peripécias, e a história virou filme. Hoje, Leeson mora na Irlanda, é diretor de um time de futebol e dá palestras mundo afora.

Os bancos gastam milhões de dólares, todos os anos, com o investimento em sistemas de análise de risco e controle interno, mas eles são sempre elaborados de acordo com as experiências do passado. Isso os torna absolutamente falíveis, diante das tecnologias usadas em operações financeiras cada vez mais sofisticadas. No caso do Société, um erro foi ter permitido a migração de uma pessoa com conhecimentos técnicos de segurança para uma área que está constantemente sob vigilância. "Esse tipo de fraude ocorre quando uma pessoa tem mais privilégios e informações do que deveria", afirmou André Carrareto, engenheiro de sistemas especializado em segurança.

Depois do vexame de revelar a fraude, o presidente e os principais diretores da instituição anunciaram que abririam mão dos seus bônus neste ano. Já os chefes imediatos do rapaz foram demitidos. O Société levantará 5,5 bilhões de euros para tentar tapar o buraco. O banco não vai sumir do mapa, como ocorreu com o Barings em 1995, mas terá de trabalhar para restaurar sua imagem.

Fotos: AFP, Roberto Candia/AP
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