sexta-feira, dezembro 28, 2007

Retrospectiva 2007 | Memória

Retrospectiva 2007 | Memória
Antonio Carlos Magalhães
79 anos | Político

Ricardo Stuckert


Antonio Carlos Magalhães gabava-se de ser um dos poucos políticos cujo nome se transformara numa sigla conhecida em todo o país. Por quatro décadas, ACM mandou e desmandou na Bahia, seu estado natal. Misturava uma visão administrativa arrojada com cacoetes herdados dos coronéis nordestinos. No plano nacional, também transpirava poder. Influenciou quase todos os presidentes, civis ou militares, de Juscelino Kubitschek a Lula. Sua maior tristeza foi a morte, em 1998, do filho Luís Eduardo, que se preparava para assumir a liderança política do clã. ACM jamais se recuperou do baque. Com ambos, desapareceu o carlismo. (em julho)

"Foi um homem de personalidade muito forte, que definia com rapidez o lado de cá e o lado de lá. E mudava quando achava necessário. Mas sempre teve duas características: amor à Bahia e eficiência."
Fernando Henrique Cardoso,
ex-presidente da República

Sidney Sheldon
89 anos | Escritor

O americano Sidney Sheldon nunca pretendeu fazer alta literatura (talvez, nem literatura). Seu objetivo era tão-somente atrair o maior número possível de leitores. Nisso, foi insuperável. Juntos, seus romances, como O Outro Lado da Meia-Noite e Um Capricho dos Deuses, venderam 300 milhões de exemplares. No mundo de Sheldon, os ricos se viam às voltas com paixões violentas, traições e assassinatos. A vida do autor, como as tramas de seus livros, teve muitas reviravoltas. Ele só começou a escrever os best-sellers que o tornariam célebre aos 50 anos. Antes, foi piloto militar e roteirista de teatro e televisão – para a qual criou a série Jeannie É um Gênio, clássico dos anos 60. (em janeiro)

"Meu pai era um contador de histórias. Essa é a primeira lembrança que tenho dele."
Mary Sheldon, filha

Michelangelo Antonioni
94 anos | Cineasta

Terrence Spencer/Time Life Pictures/Getty Images


O italiano Antonioni não foi o maior nem o mais festejado diretor de seu tempo, mas deixou uma marca autoral suficientemente forte. Depois de pagar tributo à escola neo-realista, nos anos 50, ele migrou para um cinema de cunho existencialista, caracterizado pelo silêncio e pela busca de identidade. Com a atriz Monica Vitti a lhe servir de musa, criou a "trilogia em preto-e-branco" composta de A Aventura, A Noite e O Eclipse. Seus trabalhos mais lembrados são Blow UpDepois Daquele Beijo e Profissão: Repórter, ambos reverenciados por cineastas de todas as latitudes. (em janeiro)

"No vazio, nos espaços silenciosos do mundo, ele encontrou metáforas que iluminam nosso coração e descobriu neles uma estranha e terrível beleza."
Jack Nicholson, ator

Maurice Béjart
80 anos | Coreógrafo

Foi o pediatra quem mandou Maurice Béjart entrar em uma escola de dança pela primeira vez. O objetivo era fortalecer a musculatura do menino francês, franzino demais. Ele nunca mais descalçou as sapatilhas. No pós-guerra, ajudou a fixar as bases da dança contemporânea. Béjart começou a brilhar em 1959, com uma inovadora coreografia para A Sagração da Primavera, de Igor Stravinsky. No ano seguinte, voltou a surpreender com sua interpretação do Bolero de Maurice Ravel. Seu estilo sublinhava a sensualidade e a presença masculina. (em novembro)

"Ele marcou gerações de bailarinos. Não teríamos chegado até aqui se Béjart não tivesse existido, se não tivesse apresentado sua revolução fantástica ao mundo da dança."
Marie-Claude Pietragalla, bailarina

Kurt Vonnegut
84 anos | Escritor

O bombardeio aéreo que reduziu a cidade de Dresden a escombros foi um dos maiores flagelos sofridos pela Alemanha durante a II Guerra Mundial. O escritor Kurt Vonnegut, que assistiu à destruição como soldado americano aprisionado pelos nazistas, relatou o que viu em Matadouro 5, de 1969. A obra, com toques de ficção fantástica, foi vista como libelo contra a Guerra do Vietnã e alçou seu autor à condição de ídolo pacifista. As outras obras de Vonnegut o confirmam como um mestre do humor negro na literatura. (em abril)

"Vonnegut era diferente por ser imaginativo e criativo. Nossa geração não se dava ao trabalho de imaginar muito. Literatura realista era o estilo geral."
Gore Vidal, escritor

Octavio Frias
94 anos | Editor

Octavio Frias de Oliveira sempre teve tino para os negócios. Nos anos 40 e 50, foi banqueiro, dono de corretora e incorporador imobiliário de sucesso. Em 1962, aos 50 anos, farejou a oportunidade de sua vida. Comprou a Folha de S.Paulo, um jornal quebrado que, sob seu comando, se transformaria no maior diário do país. Para Frias, o sucesso financeiro era o único caminho para garantir a independência editorial de seu veículo. Com Victor Civita, fundador da Editora Abril, e Roberto Marinho, das Organizações Globo, profissionalizou a imprensa brasileira. (em abril)

"Era um patriota, um democrata, um homem de grande visão empresarial e um dos maiores inovadores da imprensa brasileira."
Roberto Civita, presidente da Editora Abril e editor de VEJA

Enéas Carneiro
68 anos | Político

Antonio Milena


Calva brilhante, barba hirsuta, óculos de fundo de garrafa e fala histriônica. A figura de Enéas Carneiro é inesquecível. Ele apareceu como o Cacareco da campanha presidencial de 1989. Ocupava seus quinze segundos no horário político com uma torrente de idéias amalucadas. Finalizava suas performances berrando o bordão "Meu nome é Enéas!". Ninguém jamais entendeu o que ele pretendia. Ainda assim, Enéas fisgou um grande eleitorado. Em 2002, foi candidato a deputado e teve 1,6 milhão de votos, um recorde. Doidivanas na TV, no Congresso ele sumiu. Vivia quieto e ensimesmado. (em maio)

"Enéas é merecedor de respeito pela votação expressiva que recebeu nas diversas eleições que disputou."
Luiz Inácio Lula da Silva, presidente

Anna Nicole Smith
39 anos | Modelo e atriz

Ralph Notaro/Getty Images


Aos 26 anos, Anna Nicole, uma ex-stripper, ex-coelhinha da Playboy e veterana do silicone, encontrou o emprego de sua vida. Casou-se com J. Howard Marshall II, um bilionário de 89 anos. Ele só resistiu catorze meses. A loura americana passou o resto de seus dias lutando pela herança. Vítima de uma overdose de remédios, a loura deixou uma filha de apenas 5 meses, Dannielynn. Como a menina pode herdar o dinheiro do velho Marshall, quatro ex-amantes de Anna Nicole disputaram sua paternidade. O caso foi solucionado em abril. O pai é o fotógrafo Larry Birkhead. (em fevereiro)

"Ela disse que morreria como Marilyn Monroe."
Peter Nygard, estilista

Paulo Autran
85 anos | Ator

Rui Mendes

O teatro brasileiro teve grandes atores. Paulo Autran foi o maior de todos. Brilhou jovem e belo, à frente da companhia que fundou com a amiga Tônia Carrero. Brilhou na meia-idade, ao interpretar clássicos do teatro com incrível versatilidade. E brilhou na velhice, tirando partido das rugas que lhe tomaram a face para aumentar ainda mais sua expressividade. No cinema e na TV, fez aparições esporádicas, mas marcantes. Dirigido por Glauber Rocha, atuou no reverenciado – e soporífero – Terra em Transe (1967). Na Rede Globo, criou tipos inesquecíveis, como Bimbo, da novela Guerra dos Sexos (1983), e Aparício Varella, de Sassaricando (1987). Autran era perfeccionista. Mesmo consagrado e com quase sessenta anos de carreira, dizia que jamais perderia o medo de ser rejeitado pelo público. (em outubro)

Gianfranco Ferré
62 anos | Estilista

Antes de entrar para o mundo da moda, o italiano Gianfranco Ferré formou-se em arquitetura. Nunca exerceu a profissão, mas usou o que aprendeu para criar trajes sóbrios, estruturados, de acabamento impecável. Essas características lhe valeram o apelido de "arquiteto da moda". Em 1989, dono de sua própria confecção na Itália, foi convidado a dirigir a maison Christian Dior, em Paris. Nos oito anos que ocupou o cargo, abriu as portas da alta-costura francesa para estrangeiros. Em 1998, deu seu nome a uma das mais badaladas – e rentáveis – maisons italianas. (em junho)

"Cavalheiro de outros tempos, um inventor de formas, criava uma moda grandiosa e impecável."
Donatella Versace, estilista

Norman Mailer
84 anos | Escritor

O jovem Norman Mailer foi boxeador e soldado na II Guerra Mundial. Depois que se tornou escritor, manteve alguns hábitos da vida pregressa. Polemista compulsivo, encerrou muitas discussões cobrindo o interlocutor de socos. Chegou a esfaquear a segunda de suas seis mulheres. Mas nada disso eclipsa sua contribuição à cultura americana. Mailer foi um dos expoentes do new journalism, estilo que alia técnicas da ficção com reportagem. Influenciou gerações de escritores com romances como Os Nus e os Mortos, de 1948. (em novembro)

"Mailer escreveu monumentos, livros que captam a real tradição americana."
Philip Roth, escritor

Mstislav Rostropovich
80 anos | Músico

Reuters


Para muitos, Rostropovich foi para o violoncelo o que Paganini foi para o violino: o maior da história. Uma centena de compositores lhe dedicou obras, entre eles Sergei Prokofiev e Benjamin Britten. Nascido no Azerbaijão, uma das ex-repúblicas soviéticas, Rostropovich combateu o totalitarismo e, protegido por seu prestígio, ajudou perseguidos até ser obrigado a se exilar, nos anos 70. A foto acima o mostra em 1989, celebrando a derrubada do Muro de Berlim. Dois anos depois, tocou no Parlamento russo, então ameaçado de bombardeio por comunistas insurretos. (em abril)

"Ele fez coisas que, antes, se acreditava que eram impossíveis no violoncelo. Tantas obras lhe foram dedicadas que o repertório do instrumento cresceu 40%. Todos os violoncelistas lhe são gratos por esse tesouro."
Yo-Yo Ma, violoncelista

Ingmar Bergman
89 anos | Cineasta

Reuters

O sueco Ingmar Bergman foi um dos grandes artistas do século XX e fez do cinema uma forma de reflexão sobre temas como a dúvida, a solidão e a morte. Nos anos 50, filmou O Sétimo Selo e Morangos Silvestres, obras-primas de intensa poesia. Numa segunda fase, mergulhou na intimidade familiar com Gritos e Sussurros e Cenas de um Casamento – implacáveis em sua visão de uma humanidade condenada ao isolamento. Bergman encerrou sua carreira no cinema com o autobiográfico Fanny e Alexander (1982), seu maior sucesso de bilheteria. Depois disso, retirou-se para uma ilha no Báltico e só produziu esporadicamente, para o teatro e a televisão. (em julho)

"Ele foi o maior criador do cinema desde a invenção da câmera."
Woody Allen, cineasta

Deborah Kerr
86 anos | Atriz

David Boulton/Getty Images e Reuters

O rosto de traços elegantes, o olhar altivo e o sotaque britânico faziam de Deborah Kerr a atriz perfeita para interpretar mulheres da aristocracia inglesa na Hollywood dos anos 50. Sua cena mais famosa, no entanto, ficou marcada pela paixão. Kerr foi protagonista de um dos beijos mais ardentes da história do cinema. Em A um Passo da Eternidade (1953), de Fred Zinnemann, ela e Burt Lancaster rolam à beira-mar em trajes de banho, numa seqüência que deixou boquiabertas as platéias de então. Ela também atuou em clássicos como Quo Vadis?, O Céu por Testemunha e O Rei e Eu. Indicada seis vezes ao Oscar, só recebeu a estatueta em 1994, pelo conjunto de sua obra. (em outubro)

"Uma verdadeira dama com aquela raridade que Hollywood chama de classe."
Fred Zinnemann, cineasta

Luciano Pavarotti
71 anos | Tenor

Kim Jae-Hwan/AFP

O italiano Luciano Pavarotti foi a imagem da ópera em nossos dias. Dono de um timbre raro e de uma técnica perfeita, manteve-se um degrau acima dos colegas de profissão. Os amantes do canto lírico o viam como o sucessor do lendário Enrico Caruso. Usou essa fama para conquistar multidões fora das casas de ópera, gravando discos com árias famosas. Seu Três Tenores in Concert, co-estrelado por Plácido Domingo e José Carreras, é o campeão mundial de vendas da música erudita. Quando sua voz começou a perder a tessitura impecável, ele ganhou fortuna fazendo duetos com estrelas do rock, como Bono Vox, Elton John e Sting. (em setembro)

"Ele foi um grande artista que, por meio de seu extraordinário talento para a interpretação, honrava o dom divino da música."
Papa Bento XVI

Nair Bello
75 anos | Atriz

Desde menina, Nair Bello tinha duas obsessões: ser atriz e ter uma penca de filhos. Começou a conquistar cedo seus objetivos. Aos 18 anos, estreou como atriz no rádio e logo chegou ao cinema. Aos 23, fez uma pausa na carreira para cuidar do primeiro filho – teve quatro, dois homens e duas mulheres. Uma década depois, conseguiu um papel na TV, interpretando Dona Santinha, uma dona de pensão que tinha sotaque italianado e batia no marido com um tamanco quando ele tentava enganá-la. O sucesso foi tão grande que Nair se tornou atriz de uma só personagem, vivendo para sempre a mamma italiana. Ela não se importava: "Adoro ser mãe. Queria ter seis filhos. Como só tive quatro, compenso nas novelas". (em abril)

"É difícil agradar a todos, e ela conseguia."
Fausto Silva, apresentador de TV

Boris Ieltsin
76 anos | Político

Ted Thai/Time Life Pictures/Getty Images

Em 1991, quando comunistas radicais tentaram derrubar o liberal Mikhail Gorbachev da Presidência da União Soviética, só um homem teve peito para enfrentá-los: Boris Ieltsin, o sanguíneo presidente russo. Ele saiu às ruas, subiu em tanques de guerra e barrou os golpistas. A coragem rendeu-lhe enorme popularidade. Nos meses seguintes, o império soviético derreteu e seu prestígio aumentou. Quando Gorbachev saiu de cena, foi Ieltsin quem recebeu a chave do arsenal nuclear russo. À frente do Kremlin, deixou-se consumir pela vodca. Aparecia completamente bêbado em atos oficiais. Seu poder esvaiu-se e a Rússia afundou num atoleiro. Em 1999, ele renunciou e entregou o poder ao atual presidente, Vladimir Putin. (em abril)

"Era um homem em cujos ombros repousaram tanto grandes obras quanto erros sérios. Um trágico destino."
Mikhail Gorbachev,
ex-presidente da União Soviética

Aloísio Lorscheider
83 anos | Cardeal

Amilton Vieira


Aos 9 anos, Aloísio Lorscheider disse aos pais que queria ser padre. Depois de passar por um seminário franciscano, o gaúcho fez carreira fulgurante na Igreja. Durante o papado de João XXIII e o de Paulo VI, conquistou influência no Vaticano. Corre a história – jamais confirmada – de que teria recebido doze votos no conclave que elegeu o papa João Paulo I. No Brasil, presidiu a CNBB durante a ditadura militar e denunciou a tortura e a perseguição política. Seu único pecado conhecido foi o apoio à Teologia da Libertação, um desatino ideológico que misturava cristianismo e marxismo. Nos anos 90, ergueu o Centro de Apoio ao Romeiro, um enorme shopping center religioso ao lado da basílica de Aparecida. (em dezembro)

"Quando a Igreja se fez um dos lugares da resistência da democracia e dos direitos humanos, dom Aloísio foi um gigante."
José Serra, governador de São Paulo

Oscar Peterson
82 anos | Pianista

Esther Bubley/Hulton Archive/Getty Images

Ele tinha 1,91 metro de altura e pesava 113 quilos. Apesar das medidas de peso pesado, o canadense Oscar Peterson hipnotizava as platéias pela leveza com que suas mãos deslizavam pelo piano. Dono de uma técnica apuradíssima, fazia parte do seleto grupo de jazzistas capazes de criar obras-primas no improviso. Em cinqüenta anos de carreira, dividiu o palco com todos que interessavam: Billie Holiday, Ella Fitzgerald, Charlie Parker, Ray Charles, Louis Armstrong. Também foi prolífico no estúdio. Registrou sua obra em mais de 200 álbuns, que lhe renderam oito prêmios Grammy. (em dezembro)

"Ele redefiniu o conceito de suingue para os pianistas de jazz."
Herbie Hancock, pianista de jazz