sexta-feira, dezembro 28, 2007

Retrospectiva 2007 | Brasil


O desafio a vencer em Tupi

Na fronteira tecnológica, a Petrobras se prepara para
a mais complexa operação de produção de sua história


Ronaldo França

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Nesta reportagem
Quadro: A formação de Tupi
Quadro: A caminho do pré-sal

O mundo inteiro prestou atenção quando a Petrobras anunciou ter encontrado petróleo 7 000 metros abaixo da linha d’água no mar da Bacia de Santos. O ineditismo da descoberta justifica o assombro, e não apenas pelas quantidades anunciadas. O petróleo foi achado numa camada que os geólogos chamam de pré-sal, numa profundidade nunca antes explorada comercialmente. Para chegar lá, atravessou-se, pela primeira vez, uma barreira de sal com 2 quilômetros de espessura, feito inédito até então. Prospectores de outros países já chegaram ao pré-sal em profundidades equivalentes, mas em camadas muito menos espessas. Quando os holofotes do anúncio oficial se apagaram, começou nos corredores da empresa, no Rio de Janeiro, uma corrida ainda mais desafiadora. Isso porque o que se tem por enquanto não são reservas petrolíferas. São estimativas de "volumes recuperáveis" que precisam superar uma longa série de dificuldades para se tornar combustível à venda nos postos de gasolina. O que os especialistas da Petrobras têm pela frente, portanto, é transformar a promessa de Tupi em realidade – o que só vai acontecer quando se der viabilidade econômica ao projeto de retirar do fundo da terra a quantidade estimada entre 5 bilhões e 8 bilhões de barris de petróleo e gás. Encontrar o petróleo sob a camada de sal foi uma façanha. Mas já se passou dessa fase. Prova é que há dez dias a companhia anunciou ter encontrado uma nova reserva na Bacia de Santos, também no pré-sal. Outras já estão a caminho e deverão ser anunciadas nas próximas semanas. Extrair o óleo e o gás em ritmo industrial é que será uma proeza inigualável. A aventura está apenas começando.

Marco Antonio Teixeira/Ag. Globo
Sala de pesquisas do Cenpes, no Rio de Janeiro: estudos avançados do subsolo em três dimensões

A questão principal é que não basta saber tirar o petróleo do fundo do mar. A empresa já domina o processo de perfuração desse tipo de rocha com segurança. Os softwares usados para calcular o comportamento geológico do sal começaram a ser desenvolvidos pelos engenheiros da companhia há vinte anos. "A Petrobras pesquisa diretamente na ponta da operação, num processo que os japoneses chamam de kaizen. As soluções são desenvolvidas o tempo inteiro. Por isso, avançamos tanto tecnologicamente", afirma o diretor de exploração e produção da Pe–trobras, Guilherme Estrella. O centro de pesquisas da empresa, o Cenpes, é referência internacional em estudos sobre petróleo. A questão em Tupi é outra. Toda a operação tem de obedecer a uma equação econômica que torne sua produção um negócio rentável no momento em que o poço estiver produzindo, em 2010. São quatro os fatores determinantes: a vazão, o volume do reservatório, o custo final da operação e o preço do petróleo no mercado internacional. Escolher a melhor estratégia de engenharia e a estrutura logística adequada é o que vai fazer com que tudo dê certo no final. Para isso, há que vencer os obstáculos decorrentes de buscar petróleo na última fronteira da exploração. Ali os desafios são:

• Enfrentar as grandes variações de temperatura de até 80 graus Celsius entre a água do fundo do mar e o interior da terra, abaixo da camada de sal.

• Lidar com formações geológicas ancestrais para as quais não há ainda conhecimento acumulado suficiente e enfrentar as dificuldades impostas pela consistência do sal, que, sob alta temperatura e pressão, tem textura pastosa.

• Superar distâncias inéditas, tanto da costa até o poço (cerca de 300 quilômetros) quanto da superfície até o petróleo (entre 5 e 7 quilômetros).

• Dar viabilidade econômica a uma operação para a qual não há referências conhecidas na indústria de petróleo.

Tudo em Tupi é superlativo, até mesmo a incerteza. Foi essa a razão de a Petrobras, ao anunciar o volume de reservas recuperáveis do reservatório, informar que elas podem variar entre 5 bilhões e 8 bilhões de barris. Note-se que há aí uma diferença de 60%. Não é pouco. Essa diferença de 3 bilhões de barris corresponde a 21% de todas as atuais reservas provadas brasileiras. Só será possível conhecer com razoável grau de certeza o total a ser produzido ali quando os aspectos científicos da província forem mapeados e quando se souber a estratégia de produção a ser adotada. É sobre isso que se debru–çam agora os experientes técnicos da empresa. Quan–do Tupi estiver fluindo no fundo do mar a pleno vapor, um exército de 5 000 pes-soas estará trabalhando na superfície e em terra para operar as dez plataformas que, estima-se, estarão instaladas no campo.

Boa parte das soluções que estão sendo pensadas nunca foi testada antes, pelo fato de que se está trabalhando na fronteira tecnológica. Isso está ocorrendo, por exemplo, em relação ao gás natural que sairá dos poços assim que estiverem em produção. Dar a ele aproveitamento econômico, estando a 300 quilômetros da costa, é ainda um problema para o qual não existe solução definida. Cogita-se a criação de uma usina termelétrica em alto- mar, na qual o gás seria transformado em energia e levado ao continente por cabos. Outra idéia é comprimir o gás e transportá-lo em navios. E a terceira, que no momento parece ser a mais adequada: liquefazer o gás por criogenia. Ou seja, baixar sua temperatura até que ele se torne líquido de modo que os navios-tanques possam transportá-lo até o continente. Como tudo o que diz respeito ao empreen-dimento pioneiro de Tupi, essa operação de liquefação também nunca foi feita no meio do oceano. Mais um desafio.

Marco Antonio Teixeira/Ag. Globo
Divulgação
A câmara que simula a pressão de 3 000 metros de profundidade e a primeira plataforma sobre a água: evolução

Os geólogos também têm sua imensa dose de aventura científica na tarefa de desvendar o comportamento dos poços. Ao contrário do que se imagina, o petróleo não fica armazenado em grandes lagos no interior da crosta terrestre. As acumulações se dão em rochas porosas como se fossem esponjas, extensas e finas do ponto de vista geológico – em Tupi elas têm menos de 100 metros de espessura (só para lembrar, para chegar lá se tem de atravessar pelo menos 5 000 metros de água, rochas sedimentares e sal). Conhecer as rochas é a alma do negócio. A que foi encontrada em Tupi é um carbonato que começou a se formar há mais de 120 milhões de anos. Trata-se de um microbiólito constituído de bactérias que vagam pelo planeta há mais de 2 bilhões de anos. Sua estrutura é pouco conhecida. Não existe literatura científica robusta sobre ela. Para decifrá-la, a Petrobras está instalando um novo centro de pesquisas em São Carlos, no interior de São Paulo. Vale a pena todo esforço nesse sentido. A estrutura da rocha vai determinar a riqueza em petróleo que se conseguirá extrair. Quanto menores os poros, mais óleo as rochas conterão. Quanto mais interligados, mais facilmente o petróleo fluirá.

A imensa camada de sal oferece uma dificuldade específica: a plasticidade. É o que os especialistas chamam de fluência. A camada de sal se movimenta muito mais rapidamente do que as rochas. Quando se perfura um mineral sólido, as deformações são mínimas e o risco de afetar a tubulação dos poços é reduzido. No sal, isso é uma preocupação. Os tubos que penetram o solo são recobertos por uma camada protetora de cimento. Na colocação, ela pode apresentar falhas. A movimentação do sal nessas falhas pode exercer uma pressão direta sobre os tubos, fazendo com que se deformem. Isso impediria a passagem de ferramentas necessárias para a perfuração e a manutenção dos poços. Esse não é o único problema. Para dar maior vazão aos poços, adota-se a técnica de perfuração em um ângulo horizontal de 88 graus. Como a rocha-reservatório é muito achatada, uma incisão vertical tem pouca eficiência. O petróleo flui pelos buracos abertos nos tubos de aço, devido à pressão natural dos reservatórios. Quanto maior for a área dos tubos exposta à rocha, mais petróleo fluirá no poço. Chega-se a instalar 1,5 quilômetro de tubos no meio da rocha quando se perfura horizontalmente. A dificuldade é que para isso será necessário fazer uma curva no meio do sal (como mostra o infográfico das págs. 146 e 147), o que aumenta o risco de falhas no revestimento. Também se estuda como deverá ser o revestimento dos poços para que não se tornem ainda mais suscetíveis a falhas.

A Petrobras se tornou líder mundial de exploração em águas profundas ao buscar novas fronteiras. Somente 30% do petróleo gerado no planeta conseguiu subir até níveis alcançáveis pelo homem. Desse total, a taxa de recuperação (o volume que se consegue extrair com a tecnologia existente) varia de 20% a 30%, por causa das limitações tecnológicas. "A cada novo aumento do preço do barril, a Petrobras evoluiu um pouco mais, porque passou a valer a pena", afirma o economista Adriano Pires, do Centro Brasileiro de Infra-Estrutura. Portanto, o patamar atual de 100 dólares é um incentivo e tanto à exploração de novas fronteiras. Quanto mais rentável for a atividade, mais compensará o investimento em tecnologia para retirar da terra o muito que ainda há. Até o início da década de 70, o barril estava cotado a 3 dólares. Em 1974, depois do primeiro choque, pulou para 12 dólares. No começo da década de 80, após o segundo choque, custava 30 dólares. Afirma o engenheiro de petróleo Marcio Mello, da HRT Consultoria: "Com a quantidade que se estima existir ali, a equação econômica estará resolvida facilmente".

Antes de anunciarem as novas reservas, os técnicos da Petrobras perfuraram catorze poços, desde o litoral do Espírito Santo até Santa Catarina. Ao analisarem a composição química das amostras coletadas, descobriram que se trata do mesmo petróleo, formado no mesmo momento geológico. Esse é o maior indicativo de que se está diante de uma reserva descomunal sob os 800 quilômetros quadrados da camada de sal. Acredita-se que haja ali mais de 80 bilhões de barris de petróleo e gás. Algo tão fabuloso que pode colocar o Brasil entre os dez maiores produtores do mundo. Também se constatou que a pressão com que o petróleo jorra de dentro dos poços é muitas vezes superior à necessária para que os navios sejam carregados rapidamente. Não pára por aí. Trata-se de um óleo leve, recheado de substâncias químicas que fazem a festa da indústria petroquímica. Portanto, mais valorizado. Aprisionado pela camada de sal, um selante poderoso, o petróleo foi mantido em temperaturas acima de 80 graus. Nesse ambiente sua qualidade se mantém por uma razão mais ligada à biologia do que à geologia. A viscosidade do petróleo nos seus depósitos naturais é definida pela atividade de certas bactérias cuja fonte de alimentação são justamente as substâncias que dão fluidez ao combustível. Essas bactérias não conseguem sobreviver no pré-sal. Embora o país tenha alcançado a auto-suficiência na produção – no último dia 25 atingiu-se o recorde de 2 milhões de barris diários –, o petróleo brasileiro encontrado até aqui era do tipo mais pesado, aquele em que as bactérias já haviam feito seu serviço. O país ainda precisa importar 300 000 barris de óleo leve por dia. Isso corresponde a quase 17% do consumo nacional de 1,8 milhão de barris. O desafio técnico de arrancar o óleo de Tupi é tão extraordinário que ele só vale a pena diante da enorme riqueza que pode vir a produzir.



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