sexta-feira, dezembro 21, 2007

Os dutos para álcool e minério

A riqueza que viaja pelo cano

Criados há três milênios para transportar água,
os dutos passaram a escoar petróleo no século XIX.
Agora serão usados para exportar etanol brasileiro


Julia Duailibi e José Edward

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Quadro: O primeiro alcoolduto do mundo

A utilização de dutos remonta a séculos antes da era cristã. O primeiro de que se tem notícia é o de Jerwan, construído na Assíria em 691 a.C. para levar água doce até a cidade de Nínive. Na Roma antiga, com o aperfeiçoamento da engenharia do transporte de água, os aquedutos se multiplicaram e ficaram mais complexos. No formato atual, com tubos fechados de metal e mecanismos de bombeamento para impulsionar produtos como petróleo e gás, os dutos apareceram em 1865, nos Estados Unidos. Hoje representam um sistema de transporte indispensável à economia mundial. O total da malha ultrapassa 3,5 milhões de quilômetros – ou nove vezes a distância entre a Terra e a Lua. Os dutos são quarenta vezes mais seguros que o transporte de carga ferroviária e 100 vezes mais seguros que o transporte por caminhão.

No Brasil a rede de dutos ainda é diminuta: 20 000 quilômetros, abaixo dos 440 000 quilômetros dos americanos e dos 42 000 quilômetros de dutos no México. No entanto, com a capacidade de uso das ferrovias e rodovias brasileiras batendo no limite, o estado e o setor privado planejam construir dois dutos de extrema relevância logística. A Petrobras quer fazer um alcoolduto de 1.150 quilômetros para escoar o etanol destinado à exportação até o Porto de São Sebastião, em São Paulo. Será o primeiro duto da história feito exclusivamente para transportar etanol. O governo e a estatal acertam detalhes finais para tirá-lo do papel ainda em 2008. O outro projeto de duto é da mineradora MMX, do empresário Eike Batista. A empresa pretende iniciar em 2008 o maior mineroduto do mundo, com 525 quilômetros de extensão, para interligar jazidas de minério de ferro localizadas na região de Conceição do Mato Dentro, em Minas Gerais, ao Porto de Açu, no Rio.

O alcoolduto planejado pela Petrobras visa a escoar a produção de álcool do interior do país. Ele terá capacidade para transportar, por dia, o equivalente a 1 000 caminhões-tanque. Seu traçado ainda é tema de discussões políticas. Cidades de Goiás querem sediar os terminais de distribuição que acompanharão o trajeto. Com isso, pretendem receber polpudos investimentos oficiais. O alcoolduto partiria inicialmente da cidade de Senador Canedo, mas recebeu uma mudança de última hora: agora ele deve partir de Buriti Alegre, cidade do ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares. Esse não é o único alcoolduto em gestação. Outro está sendo elaborado pela Unica, entidade que reúne os maiores produtores de etanol do país, em parceria com o governo de São Paulo. O secretário de Desenvolvimento estadual paulista, Alberto Goldman, tenta selar uma ponte entre os dois projetos. "Vamos unir os esforços e construir um único duto", diz Gold-man. Há resistência dos produtores. Eles temem que a Petrobras controle o alcoolduto e, com isso, dite as regras do mercado.

O mineroduto planejado pela MMX não terá participação estatal. Estrela da bolsa de valores em 2007, a companhia de Eike Batista arrecadou cerca de 1 bilhão de reais com a abertura de capital. Isso lhe deu recursos para viabilizar sozinha o projeto. Seu objetivo é acelerar e baratear a exportação de minério de ferro para a China. Cada quilômetro da construção custará 1,3 milhão de dólares, cerca de 25% menos do que o que seria gasto para construir uma ferrovia com a mesma destinação. Para transportar cada tonelada de minério, da mina ao porto, a MMX gastará em torno de 1,20 real. Se optasse pelo transporte ferroviário, gastaria dez vezes mais. Minerodutos como o planejado pela MMX não transportam minério puro, mas a polpa (lama) extraída diretamente da mina. Essa polpa é colocada no duto e bombeada até uma estação de processamento próxima ao porto (leia o quadro). Já há outros dois minerodutos em operação no país. O mais antigo é o da Samarco Mineração, joint-venture da Vale com a australiana BHP Billiton – por enquanto o maior duto de minério de ferro do mundo, com 396 quilômetros. A empresa investiu 750 milhões de reais na construção de um novo ramal, paralelo ao antigo.

Apesar das várias vantagens dos dutos em comparação a outros meios de transporte, eles só são viáveis se houver escala. "Tudo depende da distância e dos volumes transportados", afirma Paulo Fleury, do Centro de Estudos em Logística da UFRJ. Num país onde dutos definem esquemas de desvio de recursos públicos ("valerioduto" é apenas um deles), vale a pena lembrá-los de outra forma.

DUTO PARA O FUTURO

O Império Romano implantou sistemas de água em 200 cidades, na Europa, na Ásia e no norte da África. Dois dos aquedutos feitos pelos romanos – o de Pont du Gard, na França, e o de Segóvia, na Espanha – são utilizados até hoje, 2 000 anos após sua construção. O primeiro aqueduto romano foi erguido cerca de 300 anos antes de Cristo. Denominado Apia, era totalmente subterrâneo e tinha 10 quilômetros. O Aqua Márcia foi o primeiro suspenso, construído entre os anos 144 e 140 a.C. com 81 quilômetros de extensão. Ao todo, a Roma antiga tinha catorze grandes aquedutos, que chegaram a conduzir 200 milhões de litros de água por dia.





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