domingo, dezembro 30, 2007

Mailson da Nóbrega O que pode dar errado em 2008

O Estado de S. Paulo,


O desempenho da economia em 2007 surpreendeu os mais otimistas. O PIB pode ter crescido 5,3%, o resultado mais expressivo desde 1994. Dificilmente será melhor em 2008, como afirmou Lula, mas pode ser algo satisfatório, como 4,5%.

Três fatores podem atrapalhar: (1) uma piora da situação fiscal; (2) pressões inflacionárias; e (3) uma forte recessão nos EUA.

A piora fiscal viria do não-cumprimento da meta de superávit primário, causado pela perda da CPMF. O risco Brasil aumentaria, provocando desvalorização cambial e pressões inflacionárias. O Banco Central manteria ou elevaria a taxa de juros. O ritmo de crescimento cairia.

Esse risco é o menor dos três. Decorreria da incompatibilidade entre o compromisso de Lula com a meta de superávit e suas promessas posteriores: não cortar nem o Bolsa-Família nem o PAC e, ao mesmo tempo, não aumentar tributos. Seja como for, Lula não correria o risco e apertaria o caixa para atingir a meta.

O segundo risco é mais sério. O ano termina com pressões inflacionárias inequívocas. O IPCA pode alcançar 4,5%, em cima da meta.

Há poucos meses, projetava-se menos de 4%. A piora veio da forte alta dos alimentos, mas pode ser também sinal de excesso de demanda interna. Se a inflação continuar a subir, o BC elevará os juros. A expansão do PIB arrefecerá.

BC DESENVOLVIMENTISTA

A elevação da Selic geraria protestos. Economistas heterodoxos defendem um BC "desenvolvimentista", invocando o exemplo do Federal Reserve, cujo mandato inclui o crescimento, sem atinar que o Fed contribui para a expansão do PIB à medida que preserva a estabilidade da moeda e não com redução voluntarista da taxa de juros.

É verdade que a preocupação com a atividade tem levado o Fed a reduzir a taxa de juros, mas não como pensam os heterodoxos e sim para evitar que a crise das hipotecas subprime contraia o crédito e prostre a economia, como aconteceu no Japão nos anos 90.

Aqui chegamos ao terceiro risco, o mais grave dos três. A maioria dos analistas crê que são baixas as chances de uma recessão na economia americana, mas tem crescido a legião dos pessimistas, os quais antevêem algo muito mais grave.

Nas últimas semanas, surgiram visões catastrofistas. As perdas com as hipotecas seriam maiores do que se pensa e provocariam redução dramática do crédito. A recessão assumiria contornos de uma depressão, que atingiria a economia mundial.

É o caso do Personal Assets Trust (PAT), um gestor de recursos de Edimburgo, no Reino Unido, que prevê o desastre e por isso resolveu se desfazer de todos os seus investimentos para manter-se 100% líquido.

O PAT calcula que as perdas com as subprime atingiriam US$ 1 trilhão, muito acima da estimativa do presidente do Federal Reserve (US$ 150 bilhões) e da Goldman Sachs (US$ 400 bilhões).

Para salvar o sistema financeiro mundial, o Fed poderia reduzir a taxa de juros a zero, como fez o Banco do Japão nos anos 90, ou emitir moeda, como o Reichsbank, o banco central alemão, em 1923.

COLAPSO DO DÓLAR

Ocorre que essas medidas poderiam gerar o colapso do dólar e um rápido aumento da inflação. Uma boa parte dos hedge funds quebraria, agravando as dificuldades dos bancos que lhes fornecem crédito. Os problemas seriam de tal monta que o Fed e outros bancos centrais seriam incapazes de resolvê-lo.

A saída seria o socorro do Tesouro americano, mas o custo para os contribuintes a tornaria politicamente inviável.

Há razões para crer que o cenário apocalíptico não é o mais provável. A economia americana desaceleraria em 2008, mas cresceria entre 1,5% e 2%. A expansão da China, da Índia e de outros países emergentes contrabalançaria a queda da atividade econômica nos Estados Unidos. A economia mundial cresceria 4,5% a 4,8%, menos que os 5,2% previstos para 2007, mas acima da média dos últimos vinte anos.

Mesmo que se materialize um cenário menos benigno na economia americana, a economia mundial poderá crescer em ritmo melhor do que nessas duas décadas. O Brasil está mais preparado para enfrentar uma situação desfavorável do que em crises anteriores, quando nossas fragilidades amplificavam os efeitos das turbulências externas.

Como se viu de recentes declarações de Lula, sua intuição e bons conselhos lhe deram a noção precisa do que pode tirar o sono dele e de nós todos: um aprofundamento da crise de crédito americana. Esperemos que os arautos do caos estejam errados.