editorial |
O Estado de S. Paulo |
30/11/2007 |
Percebem-se, de um só golpe, o desequilíbrio psicológico e a vocação ditatorial do coronel Hugo Chávez pela maneira como conduz os negócios da Venezuela. O rompimento de relações com o presidente Álvaro Uribe, da Colômbia, contém esses dois elementos de instabilidade. Durante dois ou três dias, Chávez dirigiu insultos pesados contra Uribe, que o dispensara da função de mediador entre o governo colombiano e as narcoguerrilhas das Farc. O que disse de menos insultuoso foi que Uribe é “um servil instrumento do império (...), um peão do império”. Depois, convocou o embaixador venezuelano em Bogotá para consultas. Finalmente, declarou que não teria mais qualquer tipo de relacionamento com a Colômbia, enquanto Uribe fosse presidente. Mas isso não significa que tenha rompido relações diplomáticas com o país vizinho. Apenas não quer conversa com Álvaro Uribe. Esse comportamento não é novo. Repete o que fez em 2005, quando o então presidente Vicente Fox não gostou de sua interferência no processo eleitoral mexicano. Confrontado, reage não como chefe de Estado, mas como menino malcriado e cheio de vontades. Mas há lógica nessa loucura. Não erra quem associa os acessos de raiva de Chávez à resistência a seus planos de boa parte do eleitorado que, no domingo, decidirá se aceita ou não a Constituição fascista que ele escreveu para a (sua) Assembléia Nacional aprovar. Com o eleitorado dividido - as intenções de voto contra a Constituição, que superavam as a favor, agora, estão equilibradas -, Chávez joga tudo o que tem para não perder a eleição. E um dos truques mais velhos do mundo é criar um inimigo externo para promover a coesão em torno do “salvador da pátria” (e da Opep, e do mundo). Esse, aliás, é o comportamento-padrão do caudilho: ele não tem adversários políticos; tem inimigos, que precisa eliminar. Vive de criar conflitos - e quanto mais graves e ruidosos, melhor. E usa sem limites o poder discricionário que conquistou nesses oito anos na presidência. As pesquisas de opinião mostram que ele pode perder o referendo? Proíbe a divulgação. Uma emissora de televisão dá espaço à oposição? Avisa que a licença de funcionamento da rede não será renovada. Isso no varejo. No atacado, sua truculência vai muito além. A polícia se excede na repressão às manifestações estudantis, que estão mobilizando o eleitorado contra a Constituição. No início da semana, o presidente da Federação de Câmaras e Associações do Comércio e Produção (Fedecâmaras) assinou um comunicado pedindo que os venezuelanos se unissem para votar “não” à Constituição, que acaba com a livre iniciativa e a propriedade privada. A reação de Chávez foi curta e grossa: “Se o presidente da Fedecâmaras insistir em suas ameaças ao governo bolivariano, tiro-lhes todas as empresas que eles têm.” Constitucionalmente, a partir de domingo, se o “sim” for vencedor. A Conferência Episcopal da Venezuela declarou que a nova Constituição é “anticristã” e concitou os católicos a votar contra ela no referendo. A resposta de Chávez aos líderes católicos: “Se continuarem dizendo essas coisas, vamos ter de fazer algo. É triste ver um padre na prisão, mas paciência tem limite.” Em seguida, acusou os bispos de conspirar contra ele e de serem responsáveis pela morte de um militante bolivariano. Não estranha, portanto, que num relatório dirigido ao Vaticano sobre o relacionamento de Chávez com a Igreja, o cardeal hondurenho Oscar Rodríguez tenha afirmado que, na Venezuela, “certas pessoas não são mentalmente estáveis”. Quem não concorda com o projeto ditatorial de Chávez é tachado de “traidor” e perseguido pelas milícias bolivarianas. Afinal, Chávez, além de ser a reencarnação de Bolívar, é a personificação do Estado. É com base nesse delírio que ele tem dirigido a campanha pelo “sim”. A acreditar-se no que ele diz, o pleito de domingo não se destina a aprovar ou rejeitar a nova Constituição, mas é um plebiscito para mantê-lo ou tirá-lo do poder imediatamente - o que é mentira, pois seu mandato vai até 2013. Chávez pratica todas essas arbitrariedades, tendo por suporte legal apenas a famigerada Lei Habilitante. Imagine-se o que fará, como ele mesmo diz, “sempre no marco da Constituição que, a partir de domingo, será vermelhinha”. |