Denúncia do procurador-geral sobre mensalão não incluiu petista; ex-governador tucano surge 167 vezes no novo texto
Presidente é citado apenas três vezes e sua conduta sequer foi avaliada; tucano foi acusado por peculato e por lavagem de dinheiro
RUBENS VALENTE
DA REPORTAGEM LOCAL
O procurador-geral da República, Antonio Fernando Souza, tratou de forma contrastante as eventuais responsabilidades do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e do então governador de Minas Gerais e hoje senador, Eduardo Azeredo (PSDB), pelos dois esquemas montados por políticos com apoio do publicitário mineiro Marcos Valério Fernandes de Souza -o mensalão petista, ativo entre 2003 e 2005, e o valerioduto tucano de 1998.
Seguindo a lógica da CPI dos Correios, cujo comando estava nas mãos da base aliada, Souza isentou Lula de qualquer acusação. Na denúncia que o procurador apresentou ao STF (Supremo Tribunal Federal), em abril de 2006, o nome do presidente é citado apenas três vezes e sua conduta sequer foi avaliada. Lula nunca foi ouvido formalmente pelo procurador.
Diversos trechos de depoimentos prestados por personagens da crise que citavam o presidente deixaram de constar da denúncia final. O ex-governador Marconi Perillo (PSDB-GO), por exemplo, que disse ter advertido Lula, em 2004, nunca foi interrogado pelo procurador. O que ele disse à imprensa e repetiu em carta enviada ao Conselho de Ética da Câmara não consta da denúncia.
O ex-deputado federal Roberto Jefferson (PTB-RJ) afirmou ter alertado Lula, também pessoalmente, em janeiro de 2005, mas não houve uma ordem presidencial para abertura de inquérito na Polícia Federal. O caso só começou a ser investigado pela PF quase seis meses depois, a partir da entrevista de Jefferson à Folha. O procurador-geral passou ao largo desse silêncio presidencial.
Em novembro de 2006, Souza afirmou, em entrevista à Folha: "Até agora, não apareceu a participação dele [Lula]. Não quero dizer que não possa aparecer. Nós estamos apurando os fatos. (...) Só posso fazer acusações se eu puder apresentar elementos concretos. Se eu não fizer denúncia consistente, o STF não vai recebê-la".
Diferentemente do tratamento dado a Lula, Azeredo foi acusado de peculato e lavagem de dinheiro. A denúncia levanta um amplo leque de indícios e seu nome aparece 167 vezes no documento de 89 páginas.
No entender do procurador, Azeredo "foi o principal beneficiário do esquema implementado". O mesmo, numa certa interpretação jurídica, poderia ser dito sobre Lula. Mas contra Azeredo, segundo o procurador, há vários indícios que o jogam no centro da trama.
Um é a confirmação de conversas pessoais e por telefone entre Valério e Azeredo -as investigações sobre o mensalão, ao contrário, não apontaram contatos entre Lula e o publicitário. Eles ocorreram entre Valério, José Dirceu e o ex-tesoureiro nacional do PT, Delúbio Soares. A CPI dos Correios detectou pelo menos 72 telefonemas entre Azeredo e Valério e suas empresas de publicidade.
Outro ponto que põe em xeque a conduta de Azeredo foi uma movimentação política ocorrida em 2002 que o procurador chamou de "operação abafa" para supostamente impedir que o ex-tesoureiro do senador, Cláudio Mourão, denunciasse as irregularidades da campanha eleitoral de 1998.
Em outubro daquele ano, Mourão passou a cobrar de Azeredo, judicialmente, R$ 1,5 milhão para quitar supostas dívidas de campanha. Parte do débito foi paga a partir de uma triangulação entre Marcos Valério, o ex-ministro Walfrido dos Mares Guia e o próprio Azeredo, que aparece como avalista de um empréstimo no Banco Rural usado para cobrir o pagamento.
Depois do depósito na conta de uma empresa ligada a Mourão, surgiu outro documento: uma lista assinada por Mourão e entregue à Polícia Federal e à imprensa pelo lobista Nilton Monteiro, que também havia trabalhado na campanha de Azeredo. O papel, cuja autenticidade foi atestada por peritos do Instituto Nacional de Criminalística da PF, em Brasília, diz que Azeredo recebeu R$ 4,5 milhões para "compromissos diversos (questões pessoais)".
Para o procurador, "todas as provas coletadas na fase pré processual revelam que o esquema verificado em Minas Gerais no ano de 1998, para financiar clandestinamente a disputa eleitoral, foi planejado e executado, sem prejuízo do envolvimento de outras (denunciadas nesse momento ou não), pelas seguintes pessoas: Eduardo Azeredo, Walfrido dos Mares Guia, Clésio Andrade, Cláudio Mourão, Eduardo Guedes, Marcos Valério, Cristiano Paz e Ramon Hollerbach".