terça-feira, novembro 27, 2007

Rubens Barbosa,O DIFICIL CAMINHO DA MODERNIZACÃO

Foi interessante, apesar de menos confortável, estar em Paris, na semana passada, quando eclodiu a recente greve comandada por centrais sindicais representando mais de quinhentos mil trabalhadores dos setores ferroviário,ônibus, metro e servidores públicos, que paralisou a França e instaurou o caos no já complicado trânsito de Paris.

A razão imediata da greve foi a decisão do Governo francês de promover reforma da previdência social em que os aposentados desses setores passariam a receber pensão integral, somente depois de 40 anos de contribuição, como todos os demais trabalhadores, modificando o sistema atual em que os ferroviários se aposentam aos 50 anos e recebem os benefícios na sua totalidade.

O Presidente Sarkosy, eleito justamente por seu programa de reformas estruturais que pretende levar a França para a linha de frente dos países mais competitivos da Europa, defendeu as medidas propostas como um primeiro passo para introduzir modificações no sistema previdenciário com o aumento da contribuição e da idade da aposentadoria. Além dessa mudança, Sarkosy propõe a ampliação da jornada de trabalho de 35 para 39 horas, maior facilidade para as demissões, restrições ao direito de greve, preenchimento de metade das vagas abertas por aposentadoria no serviço publico,a redução do poder dos sindicatos e autonomia universitária.

Em pronunciamento público, Sarkosy prometeu não recuar e enfrentar o desafio dos sindicatos, evitando a repetição do que ocorreu em 1995 quando Jacques Chirac, depois de três semana de greve, teve de retirar proposta semelhante de reforma da previdência social. Agora, divididos, os sindicatos tiveram de voltar ao trabalho, sem concessões da parte do governo.

O fato novo, no contexto francês, é que os sindicatos estão isolados e a maioria dos estudantes e da população trabalhadora desaprovou a greve. Os eleitores que elegeram Sarkosy se opõem a defesa de benefícios generosos , como o da previdência social e outras benesses corporativas, que caracterizaram seu pais ate aqui.

Diferente dos países anglo-saxões onde o estado do bem estar garantiu as conquistas sociais, a França tem uma tradição de concessões assistencialistas, com grandes privilégios corporativos e de influencia e militância dos sindicatos que lhes deu uma voz importante nas reformas econômicas.

A greve se transformou em teste significativo para a agenda de reformas prometidas pelo novo presidente. O movimento grevista é simbólico e representa o confronto entre o esquerdismo conservador e o futuro da França em um mundo globalizado e altamente competitivo.

Paradoxalmente, a França, que sempre resistiu as transformações capitalistas e globalizantes – a das 35 horas de trabalho por semana – coexiste com uma outra França altamente dinâmica e empresarial, inserida no comercio internacional e que tem algumas das mais bem sucedidas empresas do mundo.

Observando esses acontecimentos é inevitável associar o que ocorre hoje naquele país europeu com a perspectiva brasileira a partir de 2010, respeitadas naturalmente as peculiaridades de cada pais.

Nas eleições de 2010, o Brasil pais terá de enfrentar os desafios do mundo globalizado e decidir se quer ter um programa de reformas para completar o processo de modernização política, econômica e social. As transformações que terão de ser submetidas ao eleitorado deverão afetar interesses corporativos e privilégios, um dos fatores que atualmente impedem o crescimento do pais.

Vendo a reação desses setores na França não pude deixar de pensar na reação de movimentos como o MST , dos sindicatos como a CUT, dos funcionários públicos e dos que tanto se beneficiam do aparelhamento partidário do Estado,por exemplo. O próximo governo deverá enfrentar um período de turbulência política para conseguir exercer algum tipo de controle sobre esses grupos que defenderão seus privilégios sem hesitar em utilizar todos os métodos a seu alcance.

Se no governo do PT o MST, aliado de Lula, apenas para chamar a atenção sobre suas preocupações, faz ocupações ilegais, inclusive de prédios públicos, e destrói propriedades e pesquisas científicas, sem nenhuma consequência, imagine-se o que não fará para atacar um governo que queira exercer sua autoridade, nos limites da democracia, e impedir que ações desse tipo continuem a ser executadas impunemente desrespeitando a lei e perturbando a ordem pública.

O exercício da autoridade para coibir os excessos contrários aos interesses da maioria da população, que deseja progredir e melhorar sua condição de vida pelo trabalho ordeiro e pacifico, certamente será denunciado como autoritarismo repressor.

A regulamentação do direito de greve dos servidores públicos, se não for feita no atual governo, terá de ser realizada pelo futuro governo e podemos imaginar a reação dos sindicatos das diferentes categorias de servidores e os problemas que poderão criar para o funcionamento normal do país.

Daqui a três anos, a exemplo do ocorrido na França, o eleitorado brasileiro vai ter de optar entre o progresso e a modernidade com a redução dos gastos públicos e dos privilégios ou a continuação de políticas internas assistencialistas e corporativas, e do terceiro mundismo na política externa, justificáveis há 50 anos atrás e ainda existentes em países que preferem ou insistem em perder as oportunidades que as transformações globais oferecem.

A França hoje poderá ser o Brasil amanhã. Só espero que, como acontece naquele país, a instabilidade e a turbulência políticas não perturbem nem contaminem a estabilidade da economia, que continuará a crescer e a se internacionalizar em um mundo globalizado e interdependente. O mundo não vai esperar pelo Brasil.

Rubens Barbosa, consultor de negócios e Presidente do Conselho de Comércio Exterior da Fiesp