sábado, novembro 24, 2007

A queda do ministro Mares Guia

Herança maldita

Nova denúncia derruba ministro de
Lula e atribui a tucanos a paternidade
do valerioduto


Alexandre Oltramari

Fotos Rafael Neddermeyer, Sergio Lima/Folha Imagem
Apontado como um dos mentores do esquema de arrecadação de fundos, Mares Guia caiu

O escândalo do mensalão, que veio a público há dois anos e meio, continua produzindo baixas no governo e revelando reputações fora dele. Na semana passada, o procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza, denunciou à Justiça quinze pessoas sob a acusação de peculato e lavagem de dinheiro nas eleições ao governo de Minas Gerais em 1998. Um dos denunciados é o ministro de Relações Institucionais, Walfrido Mares Guia, que pediu demissão na quinta-feira ao presidente Lula assim que o caso foi divulgado. Outro acusado ilustre é o senador tucano Eduardo Azeredo, candidato derrotado do PSDB ao governo de Minas e principal beneficiário das fraudes relatadas ao Supremo Tribunal Federal (STF) pelo procurador. Classificados na denúncia como "ávidos por recursos", os dois foram acusados de utilizar os serviços do lobista Marcos Valério para desviar verbas públicas, lavar o dinheiro e aplicar o butim na campanha de Azeredo, da qual o agora ex-ministro foi um dos coordenadores. O procurador afirma na denúncia que o esquema foi "a origem e o laboratório" do mensalão petista. Embora em grau e proporções diferentes, PSDB e PT, assim, se tornaram sócios na Justiça da mesma tecnologia de fraude e desvio de dinheiro público.

A denúncia ainda precisa ser recebida pelo STF para que Mares Guia, Azeredo e companhia se tornem réus em um processo criminal, mas o estrago político já foi feito. Mares Guia era o principal articulador político de Lula no Congresso Nacional, onde o governo sua para aprovar a prorrogação da CPMF, que garantirá uma receita de 40 bilhões de reais por ano até 2011. Em sua carta de demissão, o ministro diz que a acusação é injusta e improcedente. Ele afirma que deixa o cargo para evitar que um assunto alheio ao governo cause embaraços ao presidente. É pouco provável que cessem os embaraços federais com o mensalão, seja ele petista, seja tucano. José Dirceu, como se sabe, foi alvejado por Roberto Jefferson em 2005. Mares Guia, portanto, é o segundo articulador político do governo abatido pelo envolvimento com as estripulias de Marcos Valério – e pode não ter sido o último. Para o lugar dele, Lula convocou o deputado federal José Múcio, do PTB de Pernambuco. Múcio é um experiente negociador, e, como líder do governo na Câmara, vinha fazendo um trabalho de alta eficiência e resultado. Ele era líder do PTB na Câmara quando seu colega de partido Roberto Jefferson denunciou o mensalão e confessou ter recebido 4 milhões de reais do esquema. No auge do escândalo, parlamentares disseram ter presenciado a partilha do dinheiro no gabinete de Múcio – não se sabe se ele estava presente – feita pelo então tesoureiro do PTB, Emerson Palmieri. Múcio admite apenas ter ouvido "rumores" sobre o mensalão.

José Múcio, ex-líder do PTB de Roberto Jefferson, fará a articulação política: experiência no ramo

A queda do principal ministro político de Lula não foi comemorada pela oposição, assim como a acusação contra o senador tucano não foi comemorada pelo governo. No dia em que realizava sua convenção, que decidiu quem comandará o partido pelos próximos dois anos, o PSDB passou boa parte do tempo dando explicações sobre o envolvimento do senador Eduardo Azeredo com o esquema. Ex-presidente do partido, Azeredo aparece na denúncia criminal apresentada ao STF pelo procurador Antonio Fernando numa situação duplamente constrangedora. Ele era governador de Minas Gerais na época em que o esquema desviou pelo menos 3,5 milhões de reais de empresas estatais. E, como candidato a reeleição, era o principal beneficiário da dinheirama que irrigou as arcas clandestinas de sua campanha. O Ministério Público acredita ter encontrado provas de que Azeredo permitiu os desvios e ainda se empenhou pessoalmente em dissimular a origem criminosa dos recursos. Seus correligionários tiveram reações distintas. "Não tenho dúvida de que ele não teve benefício pessoal", disse o ex-governador de São Paulo Geraldo Alckmin, como se desviar dinheiro para campanha fosse um crime menor. "Quem tem culpa no cartório paga. Se houver culpa, o que vai fazer? Que assuma a responsabilidade", afirmou o ex-presidente Fernando Henrique. Azeredo se defendeu dizendo que era apenas candidato a governador e que não tinha como saber o que acontecia em sua campanha. É a mesma desculpa usada pelo presidente Lula no caso do mensalão federal, quando ele se disse traído por seus companheiros de partido.